domingo, 21 de dezembro de 2014

FANTASIA SUSTENTÁVEL


Demétrio Sena, Magé - RJ.


Ainda que o alvo seja uma pessoa proibida, é perfeitamente moral fantasiar. Mas a fantasia perfeita só é possível quando se consegue desse alguém a cumplicidade secreta pela qual se trocam gestos, silêncios, provocações veladas e olhares tortos. A depender das ocasiões, culminar com as gentilezas eróticas de se deixar ver naqueles flagrantes deliciosos de pós-banho, sono descuidado, corpo mal coberto, pequenos sustos ou naturalidades teatrais.
Nem mesmo para quem tem cônjuge, fantasiar é trair. Não é, desde que não se chegue às vias de fato. Na verdade, as vias de fato rasgam a fantasia. Desestabilizam a leveza do sonho. Tiram toda poesia que se compõe da magia do ato. Do ato sem ato. Que só é mágico por ser assim. Por não abrir portas ao arrependimento. Por não levar a sofrer pelo que não houve, porque fantasiar é isso: é não haver; é pairar sobre o fazer. É a constatação do poder de sonhar com o impossível, vê-lo possível, mas resistir à realização que nos tornaria os vilões de uma história que não poderia ser nossa.
Fantasio desde sempre. E tenho cumplicidade. Resposta velada e digna, com a perfeita consciência dos limites. Meus olhos leem aqueles olhos, conhecemos trechos de nossas curvas e nos provocamos respeitosamente. Negociamos gentilezas eróticas e nunca falamos a respeito. Permutamos desejos silenciosos que não afetam em derredor e jamais levaram ao sofrimento quem não merece mesmo sofrer por isso. É o nosso segredo. Nosso mundo secreto. Um querer sem querer que nos acende por dentro, para depois nos entendermos a sós; cada um consigo mesmo.
Não adentro atalhos rumo às vias de fato. Sou fiel ao segredo e à manutenção do sonho. Da impossibilidade. Não quero mais do que o querer sem querer que nos apimenta e devolve à certeza do que nunca será. Seremos para sempre a fantasia mantida sobre as convenções, para que o mundo à nossa volta não seja desarrumado e mantenha essa fantasia... de que não há fantasia.

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