sexta-feira, 2 de julho de 2021

MINHA FALA DE ORGULHO

Demétrio Sena - Magé 

Em tempos de muito; muito preconceito, mesmo (tempos que estão de volta, no Brasil), cheguei a me questionar, ainda menino, se não era gay (fresco, pederasta ou viado, pois a palavra gay não existia). Não porque me sentisse atraído por meninos, pois não era o caso, mas apenas porque gostava de cores, formas, frases bem construídas... arte; poesia. Era como se eu fosse um gay rebelde; gostava de todas aquelas "frescuradas", das quais ainda gosto e atualmente pratico, mas destoava do previsível, por gostar de meninas.

Na adolescência, não jogar futebol nem dizer palavrões era um tormento; nenhum menino me perdoava por isso... ter muito mais amigas do que amigos, não contar vantagens afirmando "comer" todas elas e, me perder de feliz onde havia flores era um soco nos estômagos. "Muito estranho" não ser machista... muito suspeito ficar "de conversinhas" e confidências desinteressadas com belas moças, às vezes ler poemas para elas e não forçar nem uma barrazinha por um beijo na boca; uma "passadinha de mão".

Respeitar o gênero feminino era o fim da picada. Aliás, não forçar a "picada" era o fim da picada. Depois, na juventude adulta, quando alguém descobriu por tanto bisbilhotar, que eu era capaz de não me sentir provocado por uma amiga nua, ter confidências e acreditar que  não havia intenção sexual... e só me dar por desejado se ela dissesse, aí pronto... se não era viado, era babaca; mariquinha... para meus amigos mais próximos, eu até podia não ser viado, mas as minhas amigas achariam que sim - o que jamais ocorreu.

Sempre que tive namorada, na juventude, alguém dizia com certo espanto: "Aí, hein! Namorada bonita"! Era como se me incentivassem para eu nunca "sair do armário". Com o tempo, as pessoas que seguiram convivendo comigo e conheceram minhas namoradas, me viram casar, ter filhas, se aquietaram. Mas muitos nunca entenderam minha sensibilidade literária sem fronteiras, o fascínio por ofícios delicados e a cumplicidade com o gênero feminino, além da compreensão da homossexualidade alheia e dos novos gêneros revelados nas últimas décadas. 

Houve um tempo em que me rebelei de formas muito forjadas e negativas: fiquei desaforado, bruto, briguento e dava mais coices do que o atual presidente deste país. Isso me fez cometer inúmeras injustiças, descontar minhas raivas em pessoas que não mereciam e fazer alguns desafetos. De alguma forma, era como se eu dissesse para meus cobradores: é assim? É isso que me faz macho? Mas aquilo me deu vergonha de mim e não demorei muitos anos a retomar minhas posturas "questionáveis", porém legítimas.

Tive muitas namoradas ao longo dos anos, mas também muitas amigas íntimas... que tomaram banho comigo em cachoeiras desertas... que se deitaram ao meu lado em uma cama ou rede, para longas confidências e choraram em meu colo, com a certeza de que não seriam constrangidas por uma ereção; por um carinho inconveniente para o momento; uma tentativa de me arvorar como "Homem com H".

Minhas posturas espontâneas de quem é teimosamente quem é, desde menino até hoje, aos sessenta anos de idade, sempre me causaram aborrecimentos com as exigências do machismo que me cerca. Do preconceito sócio-religioso dos ambientes familiares e das igrejas que frequentei. Das cobranças de uma sociedade na qual não basta seguir padrões; é obrigatório provar a cada instante, que segue. Um homem só é homem com a crista alta. Uma mulher, com os olhos baixos.

Ter passado por tantos momentos constrangedores pela possibilidade remota de homossexualidade me deu a honra de saber como é ser homossexual masculino ou feminina... uma mulher ou um homem trans, bissexual, transformista (...). Honra, sim, porque sei de  algum modo a coragem, força e determinação que demanda não desistir de si, ante as dores do menosprezo, da segregação, a ira religiosa e a repressão familiar e social.

Não sofri até hoje, um décimo do que sofre a comunidade LGBTQIA+, especialmente no Brasil. Mas o que já sofri, mais ainda quando não entendia conceitos e contextos, me faz ter essa ideia; esse olhar. Foi comovido que assisti ao programa FALAS DE ORGULHO, da Rede Globo, e me senti ainda mais próximo desses seres humanos maravilhosos que só querem ser livres para ser quem são, em nome do amor e da própria felicidade.

Gostaria, quando fosse possível, que a sigla LGBTQIA+ ganhasse uma nova  letra... a letra S, para se tornar LGBTQIAS+ (Lésbicas, Gays, Bi, Trans, Queer, Intersexuais, Assexuais... e simpatizantes. Quanto mais seres humanos se solidarizarem com essa luta, mais possível se tornará o advento, em um futuro ainda invisível, de um mundo melhor para todos... porque todos juntos somos o mundo.

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