sexta-feira, 28 de outubro de 2011

ARCÁDIA QUASE DENTÁRIA


Como acadêmicos da escrita, costumamos condenar à fogueira os escritores menos ortodoxos. O que nem sentimos, de tão dormentes que somos, é que a fogueira das vaidades há muito nos consumiu, matando-nos de tanta pretensa imortalidade.
Prova disto é que hoje só somos reconhecidos por nossas "arcádias" escancaradas pro nada, mastigando a solidão em que jazemos num mundo que nos ultrapassou. "Arcádias" quase dentárias, rangendo contra toda espécie de autonomia nas letras e desclassificando indiscriminadamente o que soa espontâneo.
Somos nós, acadêmicos, o ranço inquisitório da igreja medieval que impunha um Deus tirano e cruel. Inquisidores literários, impomo-nos como deuses de prosa e verso, numa redoma que está bem longe de ser o reino dos céus. Por essa pretensão arrotamos decidir quem será salvo e quem ficará no limbo das letras por não rezar pela nossa cartilha rococó.
Enquanto isso, poetas e prosadores livres e desimpedidos continuam renovando o mundo e nos tornando cada vez mais ultrapassados. Produzem obras bem mais expressivas do que o fazemos e dispensam esse fardão ideologicamente geriátrico sob o qual nos escondemos das novidades assustadoras. Do bicho-papão da consciência dessa validade vencida em nós.
Nossas portas precisam se abrir pro mundo. Nossas mentes também. Temos que abrir os braços para este século, acolhendo as diferenças; reconhecendo os valores humanos e literários que se opõem aos nossos... E aceitando, sobretudo, que não somos modelo de conduta.

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