domingo, 23 de outubro de 2011

ARTE QUE MANDA IR A MERDA


"O branco assento louçário que se abandona sobre a frieza deste pequeno e imparcial espaço de cultura será somente o depositário dos rejeitos intestinais do homem pós-primitivo, aos olhares menos profundos. Mas é arte grandiloquente, no seu silêncio de objeto convertido pela sensibilidade que transcendeu a matéria e a utilização fisiológica dessa matéria, para quem sabe olhar além. Passa a ser o ponto de reconhecimento da igualdade universal, o monumento de reflexão diária e de prostração; de humilhação solitária e resignada de pobres e ricos; nobres e plebeus; negros, mestiços e arianos...".
O discurso erudito que as aspas demarcam certamente seria elaborado por quem tivesse a missão de impor como obra de arte um vaso sanitário "plantado" no salão de uma casa cultural. No museu de arte moderna, por exemplo, vezeiro em acolher exposições que agridem a inteligência, constrangendo o público a plaudi-las. Para tanto, são utilizadas apresentações escritas - estas sim, geniais - que levam o visitante a entrar na fila dos candidatos a inteligentes, cultos ou entendidos, por apreciarem a bosta de vaca, o pedaço de meio-fio, a velha boneca ou a bola de futebol avariada que um dito gênio da arte apenas tirou da rua e pôs em destaque no espaço nobre. Nem se deu ao trabalho de traqnsformar a peça; estilizá-la; fazer uma versão plástica (ainda que por simples disposição criativa) convincente e merecedora do discurso que a defende.
Na mesma leva dos objetos estão as instalações: Emaranhados desconexos, amontoados de sucatas, amarrações descomprometidas com o bom gosto e desprovidas de qualquer sentido, a não ser o forçado. Desta forma, o que já não é decorativo nem utilitário também não funciona como espetáculo, proposta reflexiva ou interativa. É apenas algo ininteligível, amparado por textos que tentam desqualificar a inteligência do não apreciador. Se alguém diz que não gosta de um mafuá tanto imposto quanto exposto em espaço reservado à arte, é classificado como idiota. Em outras palavras, não gostar da enrolação previsível que infesta os museus e outros espaços culturais é não entender de arte. 
As artes plásticas estão sendo aviltadas, porque o artista não quer trabalhar. Não quer se dar ao empenho da elucubração, da elaboração do projeto artístico e do critério. Seja na pintura, na escultura ou na instalação, ele exige público pensante para obras não pensadas. Quer lançar aos olhos alheios o fruto de sua ociosidade, com o apoio mágico de bons cronistas e de críticos engajados nessa fraude, sem assumir que sua opção artística flui da falta absoluta ou quase, do talento que inveja nos que chama de ultrapassados. Esse mesmo artista relapso, truculento e sem essência se contradiz quando exige do músico a boa música; do poeta o bom poema; do ator o bom desempenho.
É preciso que as artes plásticas falem por si mesmas. Tenham a capacidade silenciosa da persuasão, sem utlilizar as muletas literárias ou verbais que as escoram para disfarçar os aleijões com que são obradas. Quem entende de arte é o consumidor ou apreciador, uma vez que a mesma, como qualquer produto, é disponibilizada ao consumo, seja por aquisição ou não. Se ele não vê beleza, utilidade, sentido e função na obra, ela de fato não presta e ninguém o fará conceber, no seu íntimo, que sim. Será taxado de estúpido, mas isso não converterá o seu gosto, que não é bom nem mau. É apenas o seu gosto.
Se tudo é arte, o mundo não precisa de artistas, museus, galerias, espaços culturais. Melhor do que admirar a arte que manda ir à merda, no luxo dos ambientes convencionais, é sair pelas ruas me encantando com os sacos vazios de fandangos, as garrafas atiradas nas valas, as próprias valas e os detritos que bóiam nas suas águas imundas... ou artísticas. Digo artísticas, para quem "entende de arte"... ou daquilo que deveria estar na "obra-prima" do início desta crônica.

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