quarta-feira, 16 de maio de 2012

SÍNDROME DE IRMÃE


Hoje a Carminha entendeu de assar um bolo, justo no fogão de minha mãe. Minha mãe era louca de ciúmes da cozinha e seus cacarecos, incluindo o fogão velhinho e sempre muito limpo como todas as outras coisas da casa pequenina. Ela também adorava fazer bolos. Especialmente aqueles bolos cascudos que me deixavam feito menino, pelo excesso de contentamento.
Até que o bolo da Carminha também ficou cascudo. Quase tão saboroso quanto o bolo materno. Demorei dois dias depois que a Carminha ligou para mim, dizendo que fosse lá comer um pedaço, mas não fui em vão. Lá estava guardado o que era meu, por direito arbitrado pela minha irmã. Ela sempre soube do prazer que nossa mãe sentia em fazer bolos e fatiar para nós, dando a cada um aquele pedaço enorme, bem próprio de quem tem "os olhos maiores do que a barriga".
Para dizer a verdade, minha mãe adorava fartar os filhos de qualquer coisa que eles apreciam: Bolo, frango frito, farofa, carne cozida na pressão, macarronada e doces. Acho que se via meio redimida ou perdoada pelas muitas vezes em que até o essencial nos faltou, naqueles anos difíceis de nossa infância. Ficamos adultos, com vidas próprias, bem melhores que antes, e ela passou a nos receber dessa forma: Só servia grandes pedaços ou porções. Queria nos ver sempre com a velha e boa lombeira de quem come tudo o que não comeu por muito tempo.
Quando classifiquei o bolo da Carminha como "quase tão saboroso", falei do sabor específico da massa. Mas, de fato, o bolo estava uma delícia: Tinha sabor de saudades da nossa mãe, recém-partida, com o tempero do carinho de nossa irmã. Uma saborosa síndrome de irmãe.

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