domingo, 31 de agosto de 2025

BOCÓ HONORÁRIO

Demétrio Sena - Magé 


Ocorre muito comigo: rever uma pessoa com quem convivi por algum tempo, mesmo sem ter me tornado um grande amigo, e me apressar para cumprimentá-la efusivamente, sendo recebido com um olhar de "eu, hein..."; quando muito, com aquele "oi" mascado como um restinho de fumo. Então retorno ao meu canto, se ambos estivermos no mesmo ambiente, ou sigo meu caminho xingando a mim mesmo, em pensamento.

Mas não tomo emenda: quando, pouco tempo depois,  vejo outra pessoa com quem tive uma convivência semelhante (quem sabe, na realização de um trabalho, um projeto em comum), corro logo para o quase abraço, como se fôssemos velhos amigos de infância que se perderam e acabam de se reencontrar. Aí dou de cara com o mesmo "eu, hein" silencioso... os mesmos lábios dormentes. Razão pela qual nunca passo muito tempo sem me xingar em pensamento. 

Sou desses bobões que dão muita importância para pessoas. Que veem amizades em relacionamentos breves e até superficiais. Acho marcante uma boa conversa de rua com um desconhecido, que para mim, a partir daquele momento já não é um desconhecido. Se participo de algo por alguns dias, com esse desconhecido, ele praticamente se torna um amigo de vida inteira... desses com quem me preocupo e chego até a pedir notícias a um conhecido em comum.

Pensando bem, não penso mesmo em tomar emenda. Não ser assim me deixa vazio. Ser de outro jeito é como não ser quem sou. Passar por esses constrangimentos de me sentir situado por alguém é menos pior do que sentir o vazio de não sentir nada por uma pessoa com quem tive pelo menos um momento agradável. Pessoas, para mim, são pessoas. Nunca soube tratá-las como algarismos em equações vivenciais.
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domingo, 24 de agosto de 2025

CHEIRANDO ROLHAS

Demétrio Sena - Magé 

Você pode chamar uma festa junina ou julina de festa do milho ou da roça. Mas ela tem a pegada e a mesma aura das festas dedicadas aos santos (João, Antônio, Pedro...), e as datas a indumentária, os ritmos, ainda que as letras sejam fraudadas em nome de releituras encaixadas aos ritmos. Pode, ainda, chamar o seu carnaval de gospel, deturpar os sambas enredos (também com letras adaptadas), mas ainda será um carnaval. E carnaval significará sempre, festa da carne.

Não importa que sua a cerveja não tenha álcool. Ela continua cerveja. Que o baile só tenha hinos. Ainda será baile. Também tanto faz que você curta um samba, um rock, um funk, um forró, com mensagens que o classificam como gospel. Os ritmos que sempre foram chamados de profanos, no seu meio, serão os mesmos ritmos profanos. Terão as mesmas origens ou matrizes, como nos casos das festas de "Sãos", do carnaval, da cerveja, o baile. Readaptar não mata nem anula essas origens, matrizes, ou esses fundamentos.

Nada fará um revólver se tornar santo nem santificar a quem atinge alguém com ele. Uma noitada na farra não será "ungida pelo espírito santo" e um xingamento não se tornará louvor na boca de um "convertido". Antes de pensar nas fachadas, pense nas origens do que você pretende maquiar. As origens não mudam; elas serão sempre lembradas ou celebradas nas releituras. Customizar tudo o que você acha que não presta é como não beber, mas tomar um porre de tanto cheirar as rolhas.

Na verdade, não há nada melhor do que sermos livres; não precisarmos camuflar nossas vontades secretas... sobretudo, sabermos que o "mundo" não cabe no armário. 

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quinta-feira, 21 de agosto de 2025

BALAS PERDIDAS



Demétrio Sena - Magé 

A bala de fuzil da foto (customizada pelo artista Claudely Coelho) caiu a poucos metros dele, numa rua do Centro do Rio de Janeiro. Aquele dia estava calmo, no bairro em questão; a bala caiu amortecida. Pelo visto, chegara de bem longe, após errar o alvo. O único risco, se caísse na cabeça de alguém, naquele momento, seria de um calo acentuado pelo peso. Depois de transformá-la em arte, Claudely me presenteou.

Eu achava que nunca saberia de outra coincidência como essa, com pessoa do meu conhecimento. Mas o Rio de Janeiro - quase todo o Estado - não é para os amadores. Há poucos dias, um de meus irmãos, que pedalava do bairro Patanal para Gramacho, em Duque de Caxias, sentiu um baque no bolso da bermuda. Parou para ver o que era, e qual não foi o seu susto, ao ao ver que se tratava uma bala de revólver, que também viajou longa distância, ao errar o alvo inicial.

Em outras palavras, meu irmão foi alvo de uma bala perdida já sem forças para ferir ou matar alguém. Sorte essa, que muitas vítimas gravemente feridas ou mortas não têm, pelas ruas de bairros que a tragédia privatizou, sob o domínio impiedoso dos traficantes e das milícias. Uma sorte que não seria tida como tal, mas como motivo de grande preocupação, se a violência já não tivesse ganhado o status lamentável de normal.

Querido Claudely; onde quer que você esteja, com certeza está em paz... e livre das coincidências reveladoras de um mundo brutal.

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domingo, 17 de agosto de 2025

ARGUMENTOS EXTREMISTAS

Demétrio Sena - Magé 

É cada vez crescente a nossa percepção de que determinada pessoa deu uma palestra no que deveria ser um bom diálogo e determina que nós não entendemos. E nós entendemos, sim; talvez não tenhamos concordado, mas entendemos. O "palestrante" é que não entendeu que nós entendemos ou quer nos rotular de pessoa estúpida, como uma forma de punição por não termos concordado.

Conversas nas quais um lado é radical, determina que sabe tudo, não aceita contraditórios e fecha todas as portas para os argumentos do outro lado, não são exatamente conversas. São ofensivas verbais; mísseis de oratória destrambelhada e truculenta. Usa recursos que ameaçam quem não concorde ou se mostre bom entendedor perante as dificuldades vaidosamente oferecidas ao suposto entendimento comum.

Esses "diálogos" desastrosos cresceram muito nestes últimos anos de polarização política, na qual os brabos e pretensos sabichões estão sempre completamente certos, e os pacíficos, invariavelmente errados. E todo esse extremismo se difundiu em todos os assuntos de qualquer círculo. Pessoas matam e morrem na defesa cega de seus argumentos sobre temas dos mais profundos aos mais fúteis possíveis.

Passou da hora de repensarmos nosso radicalismo sobre o que pensamos e defendemos. Temos, evidentemente, nossas convicções e lados, mas ninguém está cem por cento certo nem errado em todos os momentos da vida. Quem muito fala e não sabe ouvir nem um pouquinho, abre mão da sabedoria que não lhe permite ver o mundo passar sem nada mais aprender do tempo e das pessoas.
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sábado, 16 de agosto de 2025

MOTOCICLISTAS E MOTOQUEIROS

Demétrio Sena - Magé 

A maioria dos motociclistas ainda não conseguiu entender que a moto é um meio de transporte; não um brinquedo ou aparelho de esporte radical, para levar a vida na adrenalina. É claro que uma moto é mais fluente e flexível no trânsito, mais barata e muito mais econômica. Mas é um meio de transporte sujeito às leis e regras nacionais de trânsito, especialmente no que tange a segurança do piloto, de outros pilotos, motoristas e pedestres. 

É inquestionável que a moto é um veículo perigoso e ao mesmo tempo apaixonante, pela sensação de liberdade: o piloto a domina como a um cavalo e galopa estrada afora, muitas vezes esquecido de que se trata de um veículo motorizado e as estradas não são capoeiras; estão repletas de veículos automotivos e há pessoas sobre ou dentro deles. Algumas vezes, famílias inteiras, e que não agem de modo a provocar acidentes. 

Se compararmos o motociclismo de transporte com o do globo da morte, por exemplo (atração de circo), vamos perceber que a prática não é diária e requer habilidades específicas comprovadas. Se fosse o globo da morte, o risco de um acidente grave seria multiplicado infinitamente. Ainda bem que não é. A moto, como meio diário de transporte, deve ser utilizada com consciência dos riscos que podem ser minimizados pela responsabilidade.

A carteira nacional de habilitação só pode ser aviada para pessoas adultas. Ser adulto requer juízo e bom senso. É lamentável vermos pessoas que alcançaram a maioridade, mas permanecem agindo feito crianças inconsequentes no trânsito, como se brincassem de montanha russa na rodovia. Locais inadequados, atitudes descabidas. Parece uma compensação de frustrações infantis ou adolescentes.

Motociclistas não gostam de ser classificados como motoqueiros, pois consideram isso pejorativo. Talvez a diferença esteja nisto: motociclistas são responsáveis, cuidadosos, respeitam leis e regras, amam a própria vida e se preocupam com a do próximo. Motoqueiros são inconsequentes, não respeitam nada e ninguém, não têm amor pela própria vida e não ligam se vão ferir ou matar o próximo, no trânsito.

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domingo, 10 de agosto de 2025

DE PAIS E PAIS

Demétrio Sena - Magé 

Milhões de pessoas de todas as idades brigam na justiça pela inclusão do sobrenome de pai biológico em suas certidões de nascimento. Algumas delas até conseguem. De outras, esses pais fogem; litigam até o último instante, para não cederem seus sobrenomes. Uns pais têm famílias que não incluem esses filhos e "temem" reações familiares. Outros temem o envolvimento afetivo que resultaria eventuais necessidades de ajudar a esses filhos, como muitos esforços para se perdoarem e fazerem as pazes com o passado

Há os pais provedores. Que não deixam faltar nada de material, nenhum item de necessidade básica ou dão até muito aos filhos, mas negam carinho. Nunca dão atenção. São desnecessariamente rígidos e estimulam com seus comportamentos duros e agressivos, o machismo dos filhos, a subserviência das filhas à sociedade patriarcal. Tem ainda os pais presentes fisicamente, até bonzinhos, porém distantes; que manifestam um eterno tanto faz, com suas presenças ausentes que machucam os filhos. Há pais que os filhos e filhas veem espancando suas mães e também são espancados/espancadas por eles. E os que só se orgulham do possível sucesso material dos seus ou demonstram preferências paternas com esses critérios, o que gera muitos traumas filiais para toda a vida.

É muito comum conhecermos mães que também são pais, na ausência dos mesmos. Mas é raro conhecermos pais que também são mães, na ausência delas. Tem pais biológicos que na verdade não são pais. Ao mesmo tempo, tem pais adotivos ou padrastos que são puro amor; verdadeira paternidade. São dotados de plena capacidade afetiva, que recheia todos os flancos de filhos e filhas rejeitados ou cujos pais faleceram cedo. Armadilhas e acolhimentos da vida, que alegram ou entristecem profundamente alguns dias em especial, comemorativos ou não. Entre eles, o dia institucional dos pais.

Aos pais capacitados pelo afeto, pela consciência e a responsabilidade, sejam eles consanguíneos ou não, remeto o meu abraço e minha total admiração. E aos que renegam, maltratam, abandonam, discriminam e/ou manifestam seu tanto faz, remeto a minha moção pessoal de repúdio, como filho que cresceu sem esse amor, essa presença, essa responsabilidade afetiva que quando faltam, deixam um abismo dentro de nós. Esse abismo é administrável, com muitos esforços internos, mas nunca deixa de ser abismo.

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sexta-feira, 8 de agosto de 2025

SOBRE ADMINISTRAR OS TRAUMAS

Demétrio Sena - Magé 

Que todo mundo tem problema, é um velho clichê inquestionável. Se eu tive uma infância difícil, com certeza nem se compara com a de muita gente com quem convivo ou não. Gente que tem suas sequelas, mas como adoto fazer, também não vive castigando pessoas queridas o tempo todo. Se adentrarmos profundamente a vida pregressa de qualquer pessoa, veremos que não existe ninguém sem traumas. Mas a maioria segue. Não se agarra nem faz das lembranças tristes uma trágica zona de conforto.

Convivemos com algumas pessoas, temendo suas reações. Tensos e atentos a seus chamados e sempre concordando com muita coisa, sem concordarmos de fato, senão essas pessoas viram feras. Muitas têm uma inteligência mental fora do comum, mas lhes falta inteligência emocional. E todos nós precisamos da inteligência emocional, para não ficarmos isolados de todos os nossos afetos e não nos tornarmos os opressores diários daquelas pessoas que nunca nos abandonam. Termos inteligência mental, sermos capazes, nos faz arrogantes, intratáveis e difíceis de lidar, quando falta inteligência emocional.

Termos sofrido na vida nem sempre nos amadurece e nunca nos torna o farelo derradeiro da última bolacha do pacote. As pessoas não têm que se submeter aos nossos arroubos, desaforos e surtos em mome de um passado sofrido. Se o sofrimento não nos amadureceu ou tornou pessoas mais humildes, empáticas e solidárias, não somos capazes como seres humanos. Nada vai nos ensinar a viver nem a olhar para o próximo e ver nele um semelhante. É algo deprimente, ser sovado e nunca se tornar pão.

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quinta-feira, 7 de agosto de 2025

PARAÍSOS E ABISMOS DA SENSIBILIDADE HUMANA

Demétrio Sena - Magé 

Se alguém lhe disser que é poeta ou artista, em qualquer modalidade, pode acreditar que sim. Sua escrita será poesia e suas tintas, formas e/ou seus traços serão artes. Para mim, funciona como auto declaração identitária. É o mesmo caso da identidade de gênero. Se uma pessoa se auto declara mulher ou homem, não importa se ela tem pênis ou vagina; voz grave ou falsete. Vou tratar e respeitar essa pessoa de acordo com a sua declaração; porque isso é unicamente sobre ela; não é sobre mim.

As artes e a poesia têm essa licença; essa permissão e legitimidade, porque poetas e artistas não são forjados por diplomas. Há formações acadêmicas que atendem a tais classes, mas o talento é de quem é; não exatamente de quem se forma, embora o conhecimento formal seja importante, por questões de aprofundamento e/ou mercado de trabalho. Será falsidade ideológica uma pessoa não formada em medicina se dizer médica; não formada em direito se dizer advogada ou se declarar arquiteta sem formação acadêmica. Não é assim nas artes; não é assim na poesia, como não é na identidade de gênero. Nesses casos, tudo vem da auto percepção, da intuição pessoal, do sentimento profundo e da alma em seu estado mais puro.

Posso não gostar de uma poesia de alguém. Mas ela continuará sendo poesia. Também posso detestar o estilo artístico de outro, mas a sua arte não deixará de ser arte. Muitos hão de refletir e se emocionar com a poesia e com a obra de arte que rejeitei como tais, não importa com que argumento. Poesia e artes são abraçadas como profissões, porque o mercado as absorveu, mas originalmente são as mais legítimas manifestações dos paraísos e abismos que habitam a sensibilidade humana.

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quarta-feira, 6 de agosto de 2025

POSANDO VESTIDO

Demétrio Sena - Magé 


Fiquei assim; sem vergonha;

nem estava nos meus planos

posar com tais desacatos...

mostrar o corpo enrustido

no exibicionismo dos panos...

no despudor dos sapatos.

Agora não tem mais jeito;

não fico mais comportado 

feito um menino inocente...

que acha que não tem defeito...

e por isso não se poupa.

Vim me assumir indecente;

mostrar sem medos; tensões:

meu corpo cheio de roupa,

minh'alma inteira tampada 

por zíper; cadarços; botões...

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terça-feira, 5 de agosto de 2025

SOBRE O NOSSO VIRALATISMO

Demétrio Sena - Magé 

Se eu vier a cometer crimes e for julgado, condenado e preso em razão deles, isso não configura violação dos direitos humanos. Nem acredito que preciso dizer algo tão óbvio, mas preciso, sim. Vivo em um país onde a interpretação das leis está sendo posta de ponta-cabeça por lideranças politicas e suas fiéis multidões interessadas em impor um governo ilegítimo, tirano e subserviente a poderes externos.Tendo cometido eventuais crimes, eu é que terei violado os direitos humanos de quem sofreu por causa dos meus atos. Motivo pelo qual terei que pagar, nas formas e nas proporcionalidades das nossas leis.

Uma vez apenado, só serei vítima da violação dos direitos humanos se a minha pena for desproporcional, marcada por crueldades físicas e psíquicas e eu for entregue ao abandono jurídico: sem direito à defesa institucional por legítimos representantes. Afora isso, eu serei apenas alguém que violou as leis e por isso está  preso. As prisões para pessoas comuns, como eu, é que são cruéis e dificilmente são domiciliares. A justiça jamais me permitiria cumprir pena por crimes graves, inclusive de conspiração geopolítica contra o meu país, na mansão que jamais terei, com todos os confortos e mimos imagináveis.

Continuo não acreditando que preciso dizer algo tão óbvio, mas preciso, sim: os crimes demandam investigações, as condenações e as penas. E uma prisão antecipada (preventiva) é perfeitamente legal quando, principalmente, um grande criminoso estabelece o caos social em parceria com outros grandes e pequenos criminosos, muitos ainda não culpabilizados, para que a sua culpa se configure como inocência, com intimidação das instituições legais, com ilegalidade jurídica e ameaças de um tirano internacional. A que ponto chega o viralatismo de uma multidão que deseja voltar a ser colônia?

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