quinta-feira, 14 de junho de 2012

O BOM SENSO DO UIRAPURU


O canário cantava para uma grande plateia, quando o melro se aproximou. Cantou também, e foi tão aplaudido quanto o canário. Este, então, estufou mais o peito e cantou mais alto. O outro não fez por menos e cantou mais alto ainda. Ambos foram aumentando seus tons, numa disputa acirrada e desagradável para os outros pássaros e as mais várias espécies que assistiam.
Em  um canto discreto, um uirapuru estava atento a tudo, sem qualquer manifestação. Mesmo sabedor de que sua voz é infinitamente mais afinada e suave do que a de todos os pássaros, ele preferiu ser expectador. Não queria entrar naquela disputa e ser mais um ego em crise na mata. Ficou triste por ver uma cena tão deprimente, mas tinha certeza de que sua interferência seria mal interpretada, gerando ainda mais conflito. Ficou ali, torcendo em vão pelo entendimento que salvaria o show.
Em dado momento, canário e melro começam a desafinar. Ficaram roucos de tanta ostentação. Em resposta, os expectadores desandaram a vaiar. As vaias eram tantas, que já nem era possível saber que havia dois pássaros se apresentando. Não bastassem as vaias, todos passam a xingar, depois a lançar coisas, visando expulsar os artistas daquele palco improvisado sobre um toco de árvore recentemente cortada por trabalhadores de  uma grande madeireira da região.
Os bichos estavam enfurecidos e frustrados. Foram assistir a um show musical que acabou em guerra de vaidades. Uma guerra que poderia atrair caçadores desejosos de aprisionar e abater muitas das espécies ali presentes, a exemplo das já citadas, além das onças, dos jacarés, elefantes, cobras e muitos outros bichos que se reuniram para prestigiar o evento.
Não houve jeito. Se não houvesse show, e a contento, canário e melro podiam ser hostilizados até às últimas consequências. Sendo assim, finalmente o uirapuru resolveu subir ao palco. Humildemente, pediu que a plateia perdoasse a ambos, não antes de elogiá-los e dizer que também fica rouco, às vezes, e todos deveriam entender. Dito isto, soltou a voz.
Foi grande, o encantamento! O que mais se via naquele trecho de mata eram bichos emocionados! Havia lágrimas em cada olhar e todas eram sinceras. Nem mesmo as lágrimas do crocodilo, naquele momento, eram lágrimas de crocodilo, se é que me faço entender. O show foi curto, pois aquela aglomeração seria perigosa, caso se prolongasse, pelas razões que já explicamos.
No fim, todos voltaram para seus cantos, tocas e ninhos, totalmente felizes e desestressados. Foi a vitória do bom senso, da presença de espírito e da modéstia de quem sequer buscava uma vitória, pois não estava concorrendo a nada... No entanto, ali estava o verdadeiro e genuíno talento. 

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