sexta-feira, 1 de junho de 2012

PÁSSARO-GENTE

Tenho asas que o mundo jamais pôde ver, apesar de toda a curiosidade que sempre o consumiu. Usufruo das tais para fugir deste mundo, quando as fatalidades são mais fortes do que a calma que treino, dia sobre dia, para ver que o faço a esmo, quando mais preciso. São momentos em que não suporto a carga, e preciso repousar. Então corto os ares, o espaço insondável, para rever um velho mundo apenas meu. 
Sou pássaro-gente. Nenhum nem outro, e sim, os dois. Todos me dizem que sou um ser estranho, diferente, que vive talvez um ontem perpetuado, mas à procura do presente, coisa que não acho. Sendo assim, um espécime fadado ao não futuro, e desde já extinto, embora o corpo caminhe por aqui.
Este mundo, lá no espaço, na verdade já nem existe. Foi destruído. Está contido na solidão que o corroeu. É a própria solidão. No entanto, por teimosa, vou tentando achá-lo em algum ponto na escuridão; nas profundezas do alto; numa dimensão que nem mesmo a superstição, os misticismos, os mitos e as religiões conseguem explicar. Chego, enfim, a conclusão de que realmente não me conheço.
Contudo, sendo pássaro gente, adoro voar desta maneira! Dou a vida por esta fuga e torno-a cada vez mais frequente. Ao sentir a existência derradeira neste plano, reponho forças, vontade, até mesmo esperança, com todas as desventuras desta empreitada. A viagem, por si só, tem o consolo de que preciso. Consigo redundantemente, cavar o meu resultado exatamente na falta de resultado.
É como venço cada fatalidade, até que surja uma recente. E surge mesmo, é algo infalível. Tão infalível como deveriam ser meu intento, minha viagem, minha fuga. Eis a realidade que permeia duramente o sonho e machuca o peito... Por pouco não poda ou extermina as asas deste pássaro-gente que vos arrulha. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário