terça-feira, 19 de junho de 2012

O PRECONCEITO E A NEGAÇÃO


A cada vez que o negro chama o branco de macarrão sem molho, manifesta preconceito racial. No entanto, não tem o mesmo peso de quando o branco classifica o negro como picolé de asfalto. Isso não tem a ver com o tamanho momentâneo da ofensa, e sim, com todo um contexto histórico e social. É o negro, e não o branco, o grande ofendido. Ele foi escravizado; é vítima secular da segregação que lhe nega os melhores espaços e oportunidades. Vive uma rotina de se impor e superar para sobreviver. Provar de todas as formas os méritos que tem. Esforçar-se diariamente muito mais do que o branco (leia-se não preto), para obter conquistas que esse outro obtém sem precisar fazer tanto.
Nos debates e seminários sobre africanidades é inacreditável a negação do preconceito racial, com os mais infundados, porém veementes argumentos. Um deles é de que o negro discrimina a si próprio, porque namora com louras, por exemplo. Ou seja; o branco é generoso e sem preconceito se namora com negras, mas os negros não podem namorar com brancas ou louras, caso não queiram ser taxados de preconceituosos.
A dita sociedade branca, no Brasil, só aceita o negro que a cultue abrindo mão da própria cultura, especialmente no que tange o vestuário, as tradições religiosas e festivas e, em grande parte, a musicalidade. Querem o “negro de alma branca”. Essa mesma sociedade rebate o sistema de cotas e até convence alguns negros a fazê-lo. Classifica o direito como paternalismo, sem reconhecer a dívida histórica de um país que não quer pagá-la espontaneamente, sendo necessário que o faça por lei.
Quando a Princesa Isabel assinou a lei áurea garantindo a libertação dos escravos, nenhum político da época se preocupou em propor e insistir convincentemente na criação de leis que assegurassem aos recém-libertos uma inclusão no mercado de trabalho que era deles, mas em regime de escravidão. Nada foi criado para lhes garantir quaisquer direito e perspectiva; qualquer item pelo qual pudessem ser cidadãos. Ao contrário, tratou-se logo de apressar o embranquecimento da classe trabalhadora com a mão-de-obra italiana. O trabalho, quando escravo, era dos negros. Ao se tornar devidamente remunerado, passou a ser dos brancos; com todos os direitos da época.
Também é balela quando bradamos que todos nós, brasileiros, somos negros, como justificativa para negação de racismo e desqualificação da lei de cotas. Não somos. O Brasil é um país de mestiços; corre nas nossas veias a mistura do sangue africano com o indígena e o europeu. Somos brancos, morenos, pardos, negros. Com isto, o nosso preconceito é nominalmente racial ou étnico, mas, especificamente ou na prática, é de cor. Neste país onde o louro é adorado e o moreno bem aceito, o preto - assim como o índio – é preterido; excluído; discriminado. 
Há entre nós, todas as formas de preconceito: Racial, religioso, sexual, pátrio, social e tantos outros... Contudo, nenhum tipo de preconceito é mais pernicioso do que o de cor, pelos seus disfarces, as suas inconfidências, a velação e o eufemismo. Um dos exemplos dessa natureza perniciosa do preconceito à brasileira é a constante citação, pelos não pretos, dos exemplos pontuais de pretos que ascenderam socialmente, como prova de que há igualdade. Só esses pretos sabem o que tiveram de superar, provar, vencer, impor e sobrepor infinitamente mais do que os brancos, para serem bem sucedidos.
Acho que a negação é tão criminosa quanto o próprio preconceito. É essa negação que dificulta os processos de tentativa de igualdade ou vitória contra os vícios que vieram de lá, do Brasil colônia. Vícios de natureza europeia que blefam contra a afrodescendência e nos mantêm na ignorância. 

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