segunda-feira, 14 de maio de 2012

MEUS DOIS MUNDOS


Depois de muito tempo sem saber – ou pelo menos lembrar o quanto isso conforta –, de repente me vejo entre a enxada e a caneta. Entre a terra adubada e a pauta. O cultivo e a criação. Até há bem pouco, minha vida era só a fundição previsível da caneta, a pauta e a criação literária.
Confesso que o capinar; adubar o chão; plantar o boldo e a roseira, o saião e as mudas de árvores frutíferas, e regá-las pela manhã, não são atividades novas para mim. São isto sim, atividades que a memória enterrara no inconsciente e tinham mesmo que rebrotar, em favor de minha sanidade psíquica, emocional.
Longe de mim reclamar da produção literária que sempre deu a minha vida um sentido especial. Mais longe ainda abandonar o cultivo da poesia, da crônica e das bobagens terapêuticas que pratico no solo das emoções. Irrigo-as diariamente com minha veia entre lírica, irônica, agressiva e humorística (ou boba), já que o próprio dia-a-dia me oferece húmus – ou adubo, a popular merda para nutrir a produção.
Mas precisava voltar a fazer isto: revolver o chão, acariciar canteiros, botar a planta no sulco igual à mão põe o filho recém-nascido no berço após fazê-lo dormir. Tinha necessidade urgente dessa poesia braçal, com perfume de minhoca e de raiz de mato. De substituir a “jotabê FM” pelo arranjo da passarada ou dos pintinhos do terreno ao lado que chegam para catar o alimento vivo, desenterrado pelo gume de enxada.
Não vim aqui me arrogar homem rude, camponês, produtor rural. Não “dou duro” na roça por proventos minguados e sei que isso não é nada poético. Falo do encanto deste fazer por terapia, do meu corpo e do meu querer. Da beleza da interação entre ambas as poesias (a dos músculos e a do intelecto).
Escritor e urbano estou escrevendo uma página fora da rotina de anos e anos, e talvez estabelecendo uma rotina paralela. Tendo as duas, a vida se torna mais suportável; o poema mais poético; a crônica menos crônica.
Com dois mundos a disposição, fujo de um para outro a qualquer instante, ora quando o corpo pede... Ora quando a alma suplica.

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