terça-feira, 11 de dezembro de 2012

A ESCADA QUE NÃO FOI CRUZ

Houve um tempo em que dos nove filhos de nossa mãe, apenas eu e o Jô éramos adolescentes. Os outros todos, crianças. Quando suas saídas não eram a trabalho nem para resolver questões relacionadas à pensão alimentícia irrisória que levou anos para receber, nossa mãe sempre nos levava junto.
Eram confusas, tais saídas. Um tal de "venha cá, Beto; espere aí, Carminha; Jô, segure a Branca e a Nete; Iso e Nem, saiam do meio da rua; Tuti, não deixe o Vado se distrair...". Um ajunta-espalha que chamava os olhos de qualquer pessoa ou grupo que passasse a menos de cem metros de nós.
Os motoristas de ônibus, que inicialmente nos tratavam mal por nossa mãe sempre pedir que todos os filhos embarcassem pela porta da frente para não pagarem passagem, com o tempo acabavam tendo carinho por nós. Éramos nove anjinhos, quando sabíamos que disso dependia o sucesso do clamor de nossa mãe. Na verdade, logo nem havia clamor, pois ao nos virem, automaticamente os motoristas paravam, abrindo a porta dianteira, por onde os nove capetas disfarçados de anjinhos, com menos ou mais de cinco anos entravam sem pagar. Ao adentrarmos os ônibus (em fila, os menores na frente), parecíamos uma escadinha doméstica e ambulante. Cada um de nós, um degrau apenas um pouquinho acima do anterior.
Escadinha. Era disso mesmo que os motoristas, cobradores e passageiros nos apelidavam, sorrindo com simpatia. Generosos ante a demora de nossa entrada e acomodação, muitas vezes nos lugares destinados aos pagantes que faziam questão de aquiescer.
Com todos os contratempos, constrangimentos e preocupações, nossa mãe adorava levar consigo a sua escadinha, quando a vida lhe permitia. Fomos essa escada que seus olhos nunca viram como cruz, por serem olhos de amor... Só de amor... Jamais de lamentação e autopiedade.

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