segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

ETERNO AMOR EDOLESCENTE

Depois de tantas vivências, e do alto dos meus 51 anos de idade, hoje me flagro numa crise nostálgica imprevisível. Estou a recordar um grande amor de minha adolescência. Um amor intenso; maior do que a distância, o tempo, a idade.
Ela não foi uma namorada. Nem houve o desejo de que fosse. Não existiu entre nós aquele arroubo de nos possuirmos fisicamente nem aquela paixão incontrolável, mas que dá e passa, depois de quase nos matar. Mas foi um grande amor. Um amor essencial, que não deveria faltar na trajetória de um homem, de uma mulher, sob pena da formação precária de quem no fim da vida não terá passado por todos os estágios de afeto.
Naqueles anos de maior carência, de maiores complexos existenciais e de muita solidão, mesmo com tanta gente ao redor, teria sido difícil prosseguir, se a Lucimar não tivesse aparecido. Ela me supriu de alegria. Trouxe doçura e sinceridade. Elevou minha baixa autoestima. Tanto me fez sorrir e chorar quanto foi a primeira “mulher” que chorou por mim, desde que resolvi pertencer às ruas. A luz de seus olhos foi o primeiro espelho no qual me vi como gente, naqueles anos bem verdes e de muitos conflitos internos. Foi na convivência com ela, que me senti capaz de ser amado e despertar impressões saudáveis em alguém tão verde como eu que até então só contava com os favores afetivos dos mais velhos. Das pessoas que me amavam com pena ou solidariedade.
A Lucimar me via com admiração e respeito. Meus cabelos enormes e maltratados, minha roupa surrada e a mochila enorme cheia de cadernos velhos não a constrangiam. Minha companhia silenciosa, o mistério sobre minha família, meu segredo sobre quase tudo e os boatos desagradáveis a meu respeito não a incomodavam. Ela nunca teve medo nem desconfiança. Era desarmada, imprudente ou irresponsável. O fato é que aquela menina da mesma idade, no entanto mais madura e centrada, foi capaz de me conhecer profundamente. Soube ler o meu mapa e me cavar. Transformar o que achou nas minhas vísceras em um tesouro valioso para sua sensibilidade.
Ela se entregou para mim. Não foi seu corpo nem sua pele. Não trocamos prazeres sensuais ou fizemos amor no contexto comum ao dicionário das relações amorosas. Foram muitos os passeios a lugares bucólicos ou precários. Foram muitas as horas de meditação a dois. Incontáveis as noites em que nos deitamos juntos ao relento, em recantos que hoje dariam medo, apenas para ficar em silêncio e contar estrelas. Descobrir que eram coloridas. Hoje nem sei se de fato são, mas descobrimos que eram.
Nestes tempos de redes sociais, de repente a redescubro. Não resisto à nostalgia e tomo a decisão de chamá-la, mesmo sabendo que os tempos são outros. Que os anos nos transformaram em pessoas maduras, mais duras, repletas de responsabilidades com filhos, cônjuge, trabalho fixo, compromissos sociais e aqueles cuidados que a maturidade obriga em nome do bem viver familiar. Mas tudo bem... Pelo menos de vez em quando posso abrir a janela do computador e divisá-la em forma de bolinha verde, o que significa poder chamá-la para conversamos um pouco pela web. Bendita e maldita web, que aproxima os distantes e distancia os próximos.
Mesmo assim estou feliz. O resgate parcial me brinda com uma torrente de lembranças que me readolesce; que me traz um mar de sensações indizíveis; emoções que não posso dimensionar. E até descubro, no fundo sem saber se a descoberta é boa ou má, que ainda guardo aqui dentro aquele adolescente, com todas as manias, carências, dúvidas, certezas e rompantes de outrora.
De uma coisa estou certo: Se a Lucimar não tivesse atravessado meu caminho, até hoje haveria um buraco enorme na minha vida, com todas as felicidades que alcancei. Era mesmo sua função intransferível, obturar aquele buraco.

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