Demétrio Sena - Magé
No alto daquele monte
Do Bom Senhor do Bonfim
Há um conto, mas não conte
Sem antes ouvir de mim.
Na verdade o conto é fato,
Apesar da presunção
Dos que dizem ser boato;
Coisa da imaginação.
Ainda um tanto deserto;
Não demais pra quem tem pé,
Esse monte fica perto
Do coração de Magé.
A cidade aqui citada,
Saiba logo por inteiro,
É mais uma da baixada
Do meu Rio de Janeiro.
Mas voltemos nesse ponto,
Sem nenhuma nova emenda,
No qual vim contar um conto
Não bem conto; não bem lenda:
Lá no alto, em tempos findos,
Talvez pré-coloniais,
Habitavam índios lindos
Como dizem não ter mais...
E naquela tribo inteira,
Nem por sonho, por chilique
Tinha índia mais faceira
Que a caçula do cacique!
Mesmo assim, nenhum rumor
Ou indício de amargura...
Todos tinham grande amor
Por quem era só ternura!
Mirindiba tinha o dom
Do sorriso meigo e franco,
Exalava um cheiro bom
De jasmim com cravo branco...
Uma voz de mansidão,
Um olhar de graça e bem,
As virtudes do perdão
E da paz... de muito além!
Mas um dia, era uma vez,
Por caprichos de viagens,
Eis que um jovem português
Parou naquelas paragens.
Por maior capricho ainda,
Quem o viu, fez-se notada
Foi a índia pura e linda;
Meio anjo e meio fada.
Ela, encanto. Luz. Magia.
Ele a imagem da imponência;
Da elegância; simpatia.
Ousadia com prudência.
Um olhar... Primeira vista;
Pés perdendo-se do chão,
E nenhum dos dois despista
Os arroubos da paixão...
Incontido abraço forte,
Beijo ardente, de fogueira,
Como se a sugar sorte
Pra torná-la prisioneira!
... Entretanto, como a vida
Conspira e pede recibo,
Mirindiba é prometida
De um belo índio da tribo...
E como se fosse pouco,
Por tantos outros motivos
Combinou-se um plano louco
De mais encontros furtivos...
Fugiriam quando a hora
Fosse própria para os dois,
pois o moço iria embora
Bem pouco tempo depois.
Deveriam tê-lo feito
Bem depressa... precavidos...
Segredo é rio de leito
Na direção dos ouvidos.
Ninguém sabe de qual fenda,
Qual cipó, riacho, poça
Quem viu algo e fez contenda
Com o pai da índia moça!...
De repente a preferida,
Detentora de atenções
Não achava mais guarida
Em nenhum dos corações!
A tribo inteira ciente
Do romance proibido,
Nem queria pela frente
O rosto antes querido...
Quando ao pai, sofrendo e triste,
Com vergonha e frustração,
Diz à filha; dedo em riste,
A seguinte maldição:
Se voltasse a procurar
Seu amado português,
Morreria no lugar
Dessa derradeira vez...
Explicou que o índio moço,
Seu esposo antecipado
Tinha o peito em alvoroço,
Mas ainda apaixonado...
Mirindiba, lábio mudo,
Sem revolta nem prazer,
Com respeito ouvia tudo;
Bem sabia o que fazer...
Preparou-se a tarde inteira;
Solitária, triste, fria,
Prá partida sorrateira
Na madrugada vazia...
Seu pai caíra num sono
De segurança rochosa,
Por duvidar do abandono
Da caçula preciosa...
Porém tudo estava pronto.
O casal traçou a sina;
Partiria lá do ponto
Mais deserto da colina...
... A índia chega mais cedo
Do que o senhor do seu mundo;
Mais cansaço do que medo
Resulta um sono profundo...
... O moço chega mais tarde...
Ao ver que a moça descansa
Pisa leve; sem alarde...
Parecem passos de dança.
Entretanto é coisa urgente.
Não pode haver mais demora.
Ele a chama docemente,
Porque logo surge aurora...
Mirindiba não desperta.
Fica tenso, o português...
Em estado então de alerta,
Chama outra e outra vez...
Desespero! Angústia! Dor!
Chora, grita, geme a vulso
E confere com pavor
A respiração e o pulso...
Era o fim do mal começo;
Ingênua e triste ambição:
Não pagar um alto preço
Pelo amor de maldição...
Mas até depois da morte,
O mais puro sentimento
Vence as garras da má sorte;
Não aceita impedimento:
Corre o tempo, é quase dia,
Nem percebe o moço agora,
Uma chuva intensa e fria
Cai do céu como quem chora...
Eis que a chuva, docemente,
Naquela espécie de altar,
Transforma o corpo em semente
Já começando a brotar...
Raízes descem ao chão...
Irrompe um tronco, a folhagem
Reveste os galhos... versão
Da mais incrível miragem:
Rapidez de raio ou jato!
Mirindiba, deslumbrante,
Reina sobre a selva! O mato!
Sobre seu amado amante!
Ela o suga: Corpo. Alma.
Ele cede... quer assim.
Vai feliz, com doce calma,
Pra viver amor sem fim...
... Na manhã do dia novo,
Uma árvore formosa
Vira símbolo de um povo
Que a cultua em verso e prosa...
Sua espécie indefinida
Entre a flora do lugar
É a saga de uma vida
Castigada por amar.
Essa história rompe os véus
Das distantes, longas datas,
Porque sempre teve os céus
Como testemunhas natas...
Lavro, atesto e lhe dou fé.
Não duvide; creia em mim!
Mirindiba é de Magé...
É do morro do Bonfim.
Do Bom Senhor do Bonfim
Há um conto, mas não conte
Sem antes ouvir de mim.
Na verdade o conto é fato,
Apesar da presunção
Dos que dizem ser boato;
Coisa da imaginação.
Ainda um tanto deserto;
Não demais pra quem tem pé,
Esse monte fica perto
Do coração de Magé.
A cidade aqui citada,
Saiba logo por inteiro,
É mais uma da baixada
Do meu Rio de Janeiro.
Mas voltemos nesse ponto,
Sem nenhuma nova emenda,
No qual vim contar um conto
Não bem conto; não bem lenda:
Lá no alto, em tempos findos,
Talvez pré-coloniais,
Habitavam índios lindos
Como dizem não ter mais...
E naquela tribo inteira,
Nem por sonho, por chilique
Tinha índia mais faceira
Que a caçula do cacique!
Mesmo assim, nenhum rumor
Ou indício de amargura...
Todos tinham grande amor
Por quem era só ternura!
Mirindiba tinha o dom
Do sorriso meigo e franco,
Exalava um cheiro bom
De jasmim com cravo branco...
Uma voz de mansidão,
Um olhar de graça e bem,
As virtudes do perdão
E da paz... de muito além!
Mas um dia, era uma vez,
Por caprichos de viagens,
Eis que um jovem português
Parou naquelas paragens.
Por maior capricho ainda,
Quem o viu, fez-se notada
Foi a índia pura e linda;
Meio anjo e meio fada.
Ela, encanto. Luz. Magia.
Ele a imagem da imponência;
Da elegância; simpatia.
Ousadia com prudência.
Um olhar... Primeira vista;
Pés perdendo-se do chão,
E nenhum dos dois despista
Os arroubos da paixão...
Incontido abraço forte,
Beijo ardente, de fogueira,
Como se a sugar sorte
Pra torná-la prisioneira!
... Entretanto, como a vida
Conspira e pede recibo,
Mirindiba é prometida
De um belo índio da tribo...
E como se fosse pouco,
Por tantos outros motivos
Combinou-se um plano louco
De mais encontros furtivos...
Fugiriam quando a hora
Fosse própria para os dois,
pois o moço iria embora
Bem pouco tempo depois.
Deveriam tê-lo feito
Bem depressa... precavidos...
Segredo é rio de leito
Na direção dos ouvidos.
Ninguém sabe de qual fenda,
Qual cipó, riacho, poça
Quem viu algo e fez contenda
Com o pai da índia moça!...
De repente a preferida,
Detentora de atenções
Não achava mais guarida
Em nenhum dos corações!
A tribo inteira ciente
Do romance proibido,
Nem queria pela frente
O rosto antes querido...
Quando ao pai, sofrendo e triste,
Com vergonha e frustração,
Diz à filha; dedo em riste,
A seguinte maldição:
Se voltasse a procurar
Seu amado português,
Morreria no lugar
Dessa derradeira vez...
Explicou que o índio moço,
Seu esposo antecipado
Tinha o peito em alvoroço,
Mas ainda apaixonado...
Mirindiba, lábio mudo,
Sem revolta nem prazer,
Com respeito ouvia tudo;
Bem sabia o que fazer...
Preparou-se a tarde inteira;
Solitária, triste, fria,
Prá partida sorrateira
Na madrugada vazia...
Seu pai caíra num sono
De segurança rochosa,
Por duvidar do abandono
Da caçula preciosa...
Porém tudo estava pronto.
O casal traçou a sina;
Partiria lá do ponto
Mais deserto da colina...
... A índia chega mais cedo
Do que o senhor do seu mundo;
Mais cansaço do que medo
Resulta um sono profundo...
... O moço chega mais tarde...
Ao ver que a moça descansa
Pisa leve; sem alarde...
Parecem passos de dança.
Entretanto é coisa urgente.
Não pode haver mais demora.
Ele a chama docemente,
Porque logo surge aurora...
Mirindiba não desperta.
Fica tenso, o português...
Em estado então de alerta,
Chama outra e outra vez...
Desespero! Angústia! Dor!
Chora, grita, geme a vulso
E confere com pavor
A respiração e o pulso...
Era o fim do mal começo;
Ingênua e triste ambição:
Não pagar um alto preço
Pelo amor de maldição...
Mas até depois da morte,
O mais puro sentimento
Vence as garras da má sorte;
Não aceita impedimento:
Corre o tempo, é quase dia,
Nem percebe o moço agora,
Uma chuva intensa e fria
Cai do céu como quem chora...
Eis que a chuva, docemente,
Naquela espécie de altar,
Transforma o corpo em semente
Já começando a brotar...
Raízes descem ao chão...
Irrompe um tronco, a folhagem
Reveste os galhos... versão
Da mais incrível miragem:
Rapidez de raio ou jato!
Mirindiba, deslumbrante,
Reina sobre a selva! O mato!
Sobre seu amado amante!
Ela o suga: Corpo. Alma.
Ele cede... quer assim.
Vai feliz, com doce calma,
Pra viver amor sem fim...
... Na manhã do dia novo,
Uma árvore formosa
Vira símbolo de um povo
Que a cultua em verso e prosa...
Sua espécie indefinida
Entre a flora do lugar
É a saga de uma vida
Castigada por amar.
Essa história rompe os véus
Das distantes, longas datas,
Porque sempre teve os céus
Como testemunhas natas...
Lavro, atesto e lhe dou fé.
Não duvide; creia em mim!
Mirindiba é de Magé...
É do morro do Bonfim.
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