quarta-feira, 12 de setembro de 2012

O MENINO QUE CHAMAVA O VENTO


Pelo menos até os meus doze anos de idade, acreditei que tinha o poder de chamar o vento, ao cantar. Hoje, além de saber que só era coisa de criança fantasiosa, sei que sou uma temeridade quando canto, apesar da voz microfônica e grave que me permite uma boa locução. 
Naqueles tempos, meu avô tinha uma grande plantação de mandioca na mesma localidade rural em que hoje moro, depois de pelo menos quarenta anos. Lá pelas dezesseis ou dezessete horas de todos os dias, eu sempre me aproveitava da distração dos irmãos e colegas e corria para o mandiocal. Chegando lá, ficava esperando até que todas as folhas estivessem completamente paradas. Depois tirava minha roupa, toda a roupa, e desandava a cantar com suavidade pretensa. Nos dias em que o vento não vinha logo, ficava horas cantando. Jamais ia embora sem ter conseguido impor à natureza o meu poder secreto. Ninguém sabia, porque não me interessava exibi-lo, e tinha o detalhe da nudez, que me renderia umas boas gozações.
Depois de cumprido meu ritual, voltava a ser um menino quase comum e procurava pelos demais, para nossas brincadeiras. Meus grandes momentos eram aqueles em que os moleques mais garbosos contavam grandes vantagens envolvendo brigas com meninos maiores e namoros com belas meninas. Silencioso, eu olhava nos olhos dos falastrões, e com expressão bastante calma dizia para mim mesmo: "Grande coisa... Queria ver o que pensariam se soubessem do meu poder de chamar o vento". Aliás, o meu poder me salvava dos complexos que tive por ser tímido, me julgar feioso, não saber brigar nem jogar bola. Foi o meu grande consolo; meu orgulho só meu; minha vaidade humilde.
Neste momento etário, em que reconheço que não posso chamar o vento, só restou a mania de ficar nu, quando estou absolutamente só. Não no mandiocal, mas no espaço de minha casa. Mania nostálgica, que restou da fantasia de um menino que não foi alegre nem triste...
... "Foi poeta".

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