quarta-feira, 5 de setembro de 2012

OS CAIPIRAS E O PAPAGAIO


Sempre que aquela família muito simples passava em frente à mansão dos Andrada, um papagaio gritava da varanda:
- Bando de caipiras! Bando de caipiras!
Eram de fato caipiras. Para chegarem ao bairro ainda bucólico, mas com ares de cidade, onde os Andrada moravam, Seu Totonho mais esposa e filhos percorriam longo trajeto a pé. Residiam no interior de uma cidade já interiorana.
Quanto aos Andrada, eram membros de uma família rica; de sobrenome tradicional. Pessoas distintas, ninguém duvidava disso, mas todos estranhavam as implicâncias do papagaio com os... caipiras. Era impossível imaginar o Dr. Astofo Andrada, sua esposa Dona Carmélia ou a dupla de filhos orientando aquele pássaro a constranger quem quer que fosse. Decididamente, não. Alguma visita, provavelmente criança, deve ter feito algum comentário em voz alta, vendo a família da roça passar, e o papagaio decorou aquilo.
Aconteceu que um dia o Seu Totonho decidiu dar um basta na situação, indo conversar com o Dr. Astofo. Era um sábado cedo, quando provavelmente acharia o "chefe da família" em casa. Foi sozinho,tocou a campainha e não demorou a ser atendido.
- Pois não, meu amigo; em que posso ajudá-lo?
- Ói, Seu Dotô; num me leve a má, sei que o sinhó é um home sério, mas priciso fazê uma quêxa.
- Pode falar, senhor; alguém desta casa o incomodou?
- Arguém, arguém mermo, não. Qué dizê; uma pessoa, não. Mas o papagaio do sinhô, toda vez que nóis passa, eu e  minha famía, ele grita bem arto, pra todo mundo escutá: "Bando de caipira! Bando de caipira!". Isso contece todo dia de manhãzinha! Nóis num suporta mais essa humiação. 
- O senhor me desculpe; nós nunca escutamos isso. Minha esposa fica lá dentro a cuidar das coisas da casa, os meninos estudam o dia inteiro e nem temos empregados por aqui. Realmente não sei com quem esse bicho aprendeu isso. Mas vamos fazer uma coisa, meu senhor: Nosso papagaio é muito simpático e adora quando as pessoas o cumprimentam. Certamente, se o senhor e sua família fizerem isso, ele nunca mais vai chamá-los de bando de caipiras. Basta os senhores dizerem: "Bom dia, louro!". 
- Entonces tá, seu dotô; nóis vai fazê isso. Obrigado pela atenção do sinhô, e muito bom dia.
- Não há de quê. Se precisar, pode me chamar de novo.
No primeiro dia útil da semana seguinte, lá vêm o Seu Totonho, esposa e filhos em caminhada rotineira, para resolver na cidade os seus assuntos de roça. Já previamente orientados, quando chegam em frente à casa dos Andrada, todos tiram seus chapéus e cumprimentam numa só voz:
- Bom dia, lôro!
Meio surpreso e bastante sonso, o papagaio se ajeita, estica bem o pescoço e responde:
- Bom dia, bando de caipiras! Bom dia, bando de caipiras!

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