quinta-feira, 27 de setembro de 2012

CÉU DE LUXO


Dia destes ouvi um hino evangélico esquecido, havia tempo, no sótão de minhas nostalgias. Um hino que assombrou minha infância pela mesma razão por qual deixava em êxtase os adultos de minha parentalha, todos evangélicos. A mensagem, que se refere ao céu como a futura moradia dos salvos – hipoteticamente os irmãos na fé – descreve uma cidade onde tudo reluz: As mansões luxuosas são de ouro; os muros de puro jaspe; as ruas de cristal. Nenhuma florinha; um gramado; arbusto; árvore; pássaro; borboleta; um calango. Nada.
Sempre me assustei com essa ambição desmedida, pretensamente espiritual, mas que de espiritual mesmo, não tem nada. Nos meus temores, fugia do céu parecido com os reinos particulares dos maiores tiranos de todos os tempos. Reinos de luxo e luxúria, onde os bens materiais são a tônica da felicidade. Onde a natureza não tem vez e nenhuma árvore é tolerada, porque pode significar o emperramento do progresso. A ideia de simplicidade, modéstia e desprendimento. No céu dos evangélicos, ou dos cristãos, ainda que se contorne o contexto e se apresente a justificativa da figura de linguagem ou de uma didática para converter os mais pobres, os que nada ou quase nada possuem aqui, tudo é material. Tudo inspira soberba. Tudo é antiecológico; até mesmo antideus. 
Mesmo no tempo em que acreditava num criador, e consequentemente nos endereços místicos (ou míticos) propagados pelo homem como ícones de premiação e castigo, jamais ambicionei o céu. Não esse que me punham nos olhos, visando pescar meu espírito pela promessa de uma “virada de mesa”, uma “volta por cima”, quando chegasse lá. Era menino muito pobre, quase nem tinha o  que vestir e comer, mas nunca sonhei com mansões no espaço nem na terra. Nunca tive o desejo de usar sequer um broche de ouro. Uma gargantilha de prata. Um relógio folheado. Ainda hoje, quando já posso ter consideráveis bens de consumo, tenho estritamente aqueles de que preciso. 
Quero voltar a esquecer o hino. Ele sempre me assombrará, pela simples lembrança do mal que já me causou. Ainda sou, neste contexto, aquele garoto que quando trepava em árvores, tomava banhos em rios, brincava com um vira-lata, via borboletas, pássaros e bois, pensava para si próprio, bem secretamente, para não ser castigado pelo Deus-Nero a quem não amava; só temia: “Puxa vida... Não quero ir pro inferno... Mas bem que o céu podia ser assim”.

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