terça-feira, 20 de novembro de 2012

A MAMADEIRA DA RANCA


Fui um adolescente grosseiro; truculento; intolerante com os meus irmãos. Queria sempre silêncio e quietude numa família tão grande, que habitava pequenos espaços, e a minha forma de me fazer “respeitado” não era outra: Invariavelmente aos gritos e solavancos. Quando não conseguia intimidar com tais recursos, batia. 
Choros e manhas eram quase fatais para o menino individualista e frio que fui. Levavam-me à loucura e me deixavam mais agressivo do que já era, preocupando ainda mais a minha mãe. Ela se desdobrava em cuidados para impedir minhas agressões aos menores, e ao mesmo tempo não ter que me dar uma surra. Tinha muita pena dos filhos, por causa das privações, e passou a vida inteira tentando resolver as coisas na base da conversa, dos conselhos, das explicações e dos próprios exemplos pessoais.
A Carminha, a Nete e a Branca passaram maus momentos em minhas mãos. Naturalmente mais sensíveis e frágeis do que os meninos, elas me agitavam sobremaneira, com manifestações chorosas pela vida que levávamos. Lembro que a Branca, já bem grandinha, não desapegava de uma velha mamadeira. Chorava muito, querendo leite a toda hora, o que não era possível. Numa dessas ocasiões, tomei-lhe a mamadeira e joguei bem longe, no meio do mato, para me certificar de que logo depois não seria recuperada.
O que posso dizer a meu favor, mesmo assim sem merecer indulto, é que minha consciência doía, por não querer ser assim. Essa foi uma das razões pela qual saí de casa bem cedo, antes da idade adulta, para ver se conseguia mudar. Trabalhava em pequenas firmas, tive guarida de um pastor batista para dormir numa quitinete anexa ao templo de sua igreja, e minha mãe, por mais que pedisse a minha volta, não conseguiu me persuadir. Por fim, acabou percebendo meu juízo; minha mudança de comportamento. Viu que não fui seduzido por nenhum vício nem pelas facilidades criminosas de ganhar dinheiro. Ia direto ao meu encontro e conseguiu aliciar muitos cúmplices adultos e confiáveis, que me pajeavam sem meu conhecimento e a mantinham sempre a par dos meus passos.
A outra razão que tive para sair de casa foi o desejo de ajudar financeiramente a sustentar meus irmãos, não ajudando a consumir, porque sabia que ganharia pouco. Mentia, dizendo que estava ganhando bem, pois minha mãe não aceitava qualquer ajuda que pudesse me deixar em falta. Foi difícil, mas tudo se ajeitou no passar do tempo.
Depois de uns anos, voltei a me juntar aos meus irmãos e fui recebido com muito amor. Entendi prontamente que fui perdoado por todos, especialmente por minhas irmãs, pela truculência naqueles tempos de privações e temor do futuro. Fui também perdoado pela distância que acabei criando entre nós. Mesmo não merecendo, sou até tratado com certo mimo e com aquele respeito que só temos por quem admiramos. Meus irmãos me admiram, sendo eles admiráveis. Eu é que lhes devo (e tenho) admiração, devoção, reconhecimento e todo amor que a vida possibilita para vivermos bem.
Quanto à Branca, depois de pensar bastante, cheguei à conclusão do que fazer. Sei que na meia idade, mãe de duas filhas, uma delas adulta, minha irmã já não mama. No entanto, resolvi lhe fazer um mimo que pode me resgatar aqui dentro; no flanco de minh´alma: Vou lhe dar de presente uma nova mamadeira.

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