quinta-feira, 15 de novembro de 2012

FILHO CONTRITO

Sempre que desejava realizar uma nova travessura na pequena casa de Gramacho, em Duque de Caxias, nossa mãe contava com o Izo, o terceiro dos nove irmãos. Nós, os outros, protestávamos e repetíamos advertências inúteis sobre a porta que não ficaria bem, a parede que não podia ser quebrada e a janela velha que não combinaria com o espaço, entre outros itens. O Izo, não. Ele atendia prontamente. Saía de onde estivesse, para fazer o que não daria certo e depois desfazer, mais tarde refazer o desfeito, e assim por diante.
O Izo é o irmão mais doce de todos nós, mesmo sendo o mais forte fisicamente, o menos letrado e até o mais truculento para realizar pequenos reparos e serviços. É um touro, como dizem muitos, no que se refere à força descomunal que o leva, por muitas vezes, a cometer abusos como carregar sozinho, geladeiras e móveis, nas mudanças em que sempre ajuda quando é chamado. Tudo isso, combinado com uma doçura, uma gentileza, um carinho que o mundo no qual vivemos perde a cada dia. No rosto, aqueles olhos miúdos que propagam a grande alma de um homem raro para os dias de hoje.
Para ser verdadeiro, devo confessar que os meus irmãos são todos especiais, cada um ao seu modo. Todos bem educados, gentis, amorosos, com suas virtudes e defeitos, mas as virtudes maiores do que os defeitos. Creio, com toda a sinceridade, que sou o menos dotado. Realmente não reconheço em mim essa grandeza que vejo em todos eles. Só peço licença para dizer que o Izo é surpreendente. Quando achamos que suas qualidades já se tornaram previsíveis, ele surpreende outra vez... E outras vezes.
Pois foi o Izo, com toda sua fortaleza física, o que mais me preocupou quando nossa mãe morreu. Não; ele não chorou compulsivamente, não protestou contra os céus nem ostentou sofrer mais do que todos nós. Mas os seus olhos, aqueles olhos miúdos de menino eterno denunciaram que o seu pesar quase o levou junto com nossa mãe, para talvez quebrar as paredes do infinito, desmontar e remontar móveis, trocar janelas novas por cacarecos e realizar muitas outras loucuras, sob protestos dos outros seres de lá.
Para nós, os outros, nossa mãe foi a melhor das mães. Sobre todas as mães. A heroína que sublimou todos os clichês que a sociedade cria para generalizar o ser humano. Foi tudo pra nós... Mas para o Izo, foi além. Para ele nossa mãe foi santa, esteve sempre num pedestal. Podia tudo e tinha todos os direitos, inclusive o de ser injusta, se assim quisesse. Nesse critério de adoração suprema, sobre-humana, o Izo já mantinha nossa mãe nas alturas; no infinito; num plano superior... Ela não precisava morrer.

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