quinta-feira, 29 de novembro de 2012

"A VIDA É BELA"


Um dia, lá pelas 15 ou 16 horas, dois bandidos entraram no prédio em que nossa mãe trabalhava como doméstica no apartamento de Dona Neide. Eram bem moços; talvez adolescentes. Foram direto ao apartamento, e pelo visto, era mesmo para lá que pretendiam ir. Tocaram a campanhinha, nossa mãe abriu inadvertidamente, sendo logo surpreendida por um empurrão e duas armas apontadas para ela. Entraram, ordenaram que trancasse a porta e deram início a pelo menos duas horas de pressão e terror. 
Nossa mãe sempre levava o Léo, que na época tinha pouco mais de três anos. Léo é o nosso sobrinho. Filho da Carminha. Criado alguns anos por nossa mãe, porque pouco depois que a Carminha o teve ainda bem nova, não houve como levá-lo para o seu trabalho. Ela não entregou o menino para ser criado pela avó. O fato é que nossa mãe foi ficando com o Léo durante a semana, ele foi se apegando muito, nossa mãe também, de forma que o processo de readaptação à convivência estreita com a mãe levou alguns anos. A Carminha não quis forçar nenhuma situação que gerasse trauma e ficou por perto, coadjuvando na criação do filho, até que o mesmo voltou a se apegar a ela.
Mas eu falava do assalto. O Léo brincava no chão da sala do apartamento. Dona Neide nunca se importou que nossa mãe o levasse consigo, pois não comprometia o trabalho.  O menino viu os homens entrarem, sorriu para eles e voltou a brincar sem perceber a gravidade da situação. Os assaltantes queriam as joias. Nossa mãe não sabia quais joias, mas eles sabiam. Exigiam que ela dissesse onde ficava o cofre, além de exigirem chave ou combinação de abertura. Nossa mãe, temendo que fizessem algo contra o Léo, procurou conduzi-los à cozinha, dizendo coisas quase desconexas. Eles foram gritando impropérios e fazendo ameaças. Ela falava baixinho, pedia que tivessem calma, e de vez em quando implorava para ver como estava o neto. Os bandidos deixavam, não sem antes avisarem de que matariam a ambos, caso houvesse algum escândalo da criança ou tentativa de fuga de fosse lá de quem fosse.
Naquelas idas e vindas até a sala, nossa mãe dava mais um brinquedo ao Léo, sorria para ele, fazia um carinho e pedia que ficasse lá brincando, não saísse da sala, porque aqueles moços estavam procurandoalguma coisa e não podiam ser interrompidos. O Léo sorria obediente, continuava entretido, e o clima nos outros cômodos era cada vez mais tenso: O cofre não era em nenhum quarto, nossa mãe sequer sabia de sua existência, e todos o procuravam pela casa inteira. 
Em dado momento, os bandidos resolveram que matariam avó e neto, porque não estavam tendo “colaboração”. Foram até a sala, sob pedidos desesperados de nossa mãe, que naquele momento já os segurava, sendo empurrada por eles. Quando chegaram perto do Léo, a tentativa derradeira: Nossa mãe mentiu, dizendo finalmente que sabia do cofre. Balançando as armas, os bandidos disseram que só dariam mais uma chance. Nesse momento o Léo pareceu perceber que alguma coisa estava errada e fez menção de chorar. Os bandidos se agitaram, mas antes que dissessem alguma coisa nossa mãe afirmou que só os ajudaria se o menino não sofresse nada, continuasse na sala e eles se afastassem um pouco para que ela o acalmasse. Mesmo possessos, assentiram. 
Nossa mãe se abaixou, fingiu muita calma e disse ao Léo que os rapazes eram sobrinhos de Dona Neide, procuravam brinquedos e aqueles “troços” em suas mãos eram brinquedos perigosos. Para dar credibilidade ao que dizia, pediu ao Léo dois carrinhos que daria pros mesmos e lhe disse para permanecer no mesmo lugar, enquanto ela ia lá dentro.
No momento em que nossa mãe os conduzia sem saber para onde, nem o que fazer, uma sirene de polícia tocou lá embaixo, bem perto, e alertou os bandidos. Inexperientes e assustados, eles perguntaram se nossa mãe tinha chamado a polícia. Ela jurou que não, mas voltou a mentir: Disse que viu pela janela quando a vizinha de um apartamento do prédio vizinho, acompanhada de várias pessoas apontava para lá. Deviam ter chamado a polícia, concluiu.
O barulho da sirene persistia, e dava para perceber que o carro da polícia estava parado no condomínio. Os rapazes se apavoraram, surpreendentemente soltaram as armas, ordenaram que ela fosse destrancar a porta lhes dissesse como sair dali com segurança. Nossa mãe os orientou sobre uma escada escondida que nem ela sabia se tinha mesmo, abriu a porta e ainda lhes disse um “vão com Deus”, como sempre dizia para todos. Aliviada, mas ainda nervosa, voltou correndo para chegar ao Léo antes que ele se aproximasse das armas deixadas na casa.
O Léo estava mesmo próximo das armas, mas não mexeu. Afinal, sua avó advertira de que eram brinquedos perigosos. Mesmo sem saber, nossa mãe lhe disse a verdade, quanto a serem de brinquedo. A constatação se deu horas depois, quando Dona Neide chegou, com o marido. Isso explica porque os bandidos fizeram pressões e ameaças, mas não levaram a cabo. 
No entanto, se os moços não eram tão perigosos, de uma coisa nossa mãe tinha razão. Os brinquedos eram. Brinquedos como esses são escolas para crianças e adolescentes, e às vezes, armas de verdade nas mãos de pessoas dispostas a tudo. Perigosas, inclusive, para quem as porta, pois a polícia, em caso de confronto, jamais perguntará se as armas de quem está do outro lado são verdadeiras ou não. Pena que muitos pais ainda não despertaram para isso.

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