quinta-feira, 29 de novembro de 2012

O TUTI QUE A NETE CONHECEU


A Nete não sofreu muito em minhas mãos. Não era preferência, e sim, questão de fase. Quando ela nasceu, meu temperamento estava meio apascentado e afetivo. Talvez um pouco mais carente que de costume. Lembro das muitas vezes em que a fiz dormir, cantando músicas de ninar, exatamente como bem mais tarde faria com a Nathalia, minha filha mais velha, e como faço com a Júlia, minha caçula. Cantava, contava histórias, ficava olhando seus olhos miúdos, até que não aguentavam mais e cediam confortavelmente ao sono, ainda que ainda que no desconforto das camas adaptadas.
Essa recordação me traz alegria e remorso, ao mesmo tempo. Alegria, por me dar conta de que nem sempre fui mau, na infância e adolescência. Remorso, ao reconhecer que podia ter sido assim com todos os meus irmãos, especialmente as irmãs. A Branca e a Carminha não conheceram, naquele tempo, esse “Tuti” suave, doce, capaz de fazer uma criança dormir, mesmo sendo ainda um pré-adolescente atormentado por tantas dúvidas, revoltas, complexos, medos e tabus. O “Tuti” suave não durou tanto tempo, mas foi o suficiente para que tempos depois a Nete não tivesse apenas lembranças ruins da infância com o seu segundo irmão mais velho.
Ainda bem que pude viver até agora, quando além da Nete, do Vado, do Nem, do Isso, do Beto e do Jô, a Branca e a Carminha me tratam com tanto zelo, amor e respeito, como se eu merecesse. Como se todos eles tivessem tido esse mesmo irmão que lhes faltou de forma flagrante naqueles tempos difíceis e cruciais. Sou feliz como jamais pensei que seria. De que forma eu não sei, percebo que jamais perdi essa família da qual teria inveja se não fosse minha; se eu não tivesse a sorte de fazer parte. Sorte mesmo, porque se dependesse dos méritos, eu hoje não a teria.

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