quinta-feira, 29 de novembro de 2012

UM CASAMENTO MEIO LOUCO


Foi uma bagunça, o meu casamento. Refiro-me ao casamento mesmo, aquele no cartório e com cerimônia na igreja. Como fui das ruas por um tempo, conheci muita gente que a sociedade não concebe ver numa festa social. Gente maltrapilha, suja ou bêbada, mesmo quando não bebe; drogada, mesmo quando não se droga. Não fui exatamente um amigo de todas aquelas pessoas, mas tive contatos eventuais; conversei, troquei gentilezas e até conquistei algum prestígio no meio.
Depois de um tempo namorando sério, trabalhando em jornal, me relacionando com pessoas "aceitáveis" dentro do contexto de sociedade, com o qual qual não compartilho, mas tenho que sobreviver, acabei por me afastar daquelas figuras. No entanto, as figuras continuaram a saber de mim, talvez pelos seus sinais de odor e fumaça. Daquele tempo, de quem mais me lembro e até cheguei a ser amigo, é o "Biscoito": Um senhor ex-combatente, que tinha uma hérnia supurada, jamais tirava sua velha farda imunda, e bebia muito... Vivia caído pelos bancos de praças. Eu, na verdade, gostava muito do biscoito. Fui um adolescente que vivia enxergando um pai em qualquer homem mais velho que me tratasse com alguma deferência. E aquele homem me dava esse tratamento: Conversava comigo de igual pra igual, contava suas experiências de guerra e dava conselhos cujo objetivo era me persuadir a não virar um morador de rua, como jamais virei. Falo que fui das ruas, porque não tinha paradeiro. Dormia nos locais de trabalho, comia em qualquer lugar e queria passar um tempo fora de minha casa, crendo que assim conseguiria dar voos que não conseguia vislumbrar estando em família. Ilusões de adolescente esquisito.
Havia também o Bareta, com quem tive alguma amizade. Ainda hoje o vejo pelas ruas de Piabetá. O Bareta, que já está bem melhor, e até vende sorvetes pelo bairro, é um homem que a cada dia tomava as ruas fantasiado de algum personagem da história da humanidade: Nero, César, Cristo, Hitler, Santos Dumont entre outros. Um homem bastante culto, que foi bem sucedido em algum momento de sua vida e compunha músicas de rara beleza, mas perdeu tudo, inclusive a família, por causa do vício da cachaça. Também aprendi muito com o Bareta, uns anos mais velho do que eu, pois em seus momentos de lucidez ele me falava sobre suas perdas e dizia de formas convincentes, que não seguisse os seus exemplos.
Dizia que meu casamento foi uma bagunça. O salão espaçoso da igreja católica em Piabetá, que já era pequeno para os familiares e os muitos convidados da Eliana, cujos amigos eram socialmente corretos, além dos meus familiares, de repente foi invadido pelas tais figuras estranhas. O Biscoito, mais bêbado e fedorento do que nunca; o Bareta, fantasiado de Cristo e com uma coroa de arame farpado na cabeça; o Calunga, todo esfarrapado e com a cueca suja aparecendo; a Dona Brasilina (uma senhora risonha e bonachona que morava em uma casa cheia de porcos na Rua Guarani e sempre me cumprimentava com simpatia) foram apenas algumas das criaturas do "meu tempo", que apareceram por lá.  Sinceramente, não as convidei, mas lá estavam elas para me desejar felicidade. Se não as convidei, também não permiti que ninguém as pusesse para fora; nem mesmo o padre daquela igreja que minha esposa e família frequentavam. Nossa sorte foi que os convidados de fato eram tantos, e lotavam de tal forma o salão paroquial, que até hoje nem sei quantos notaram aquelas presenças fora do padrão.
Para mim, o que realmente contava naquele momento era o quanto estávamos felizes; eu e a Eliana. Se havia pessoas incomodadas ou com nojo, se as formalidades estavam sendo bem cumpridas ou não, a nossa felicidade pairava sobre tudo. Quanto ao mais, havia comida e bebida para todo o mundo. Meus amigos esfarrapados não deixariam ninguém com sede ou fome; até mesmo porque notei o quanto estavam bem educados ou tímidos naquele ambiente que não lhes era comum. 
Já que falava em felicidade, havia duas pessoas tão felizes quanto eu e a Eliana: Uma delas era a Dona Maria, mãe da Eliana, que acompanhou a filha, no papel de pai, até o altar do templo. A outra Dona Maria era minha mãe, que depois de tanto lutar para ter seu filho em casa e voltar a cuidar dele mesmo depois de adulto, estava certa de  que encontrara quem o fizesse por ela... Entregava, enfim, seu filho, à mulher que foi capaz de fazê-lo conceber de novo a ideia de um lar. 
A Eliana foi responsável por um dos momentos de maior esperança e alegria de minha mãe.

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