quinta-feira, 29 de novembro de 2012

PELAS COXAS DE ROSELITA


Clebinho e Robinho, que não eram Clebinho e Robinho, mas neste caso acho prudente preservar seus nomes, foram dois grandes amigos que tivemos na adolescência. Daqueles amigos com quem brincamos, brigamos, fazemos arruaças e dividimos o que temos. As arruaças foram nossas partilhas mais constantes naquelas ruas inesquecíveis de Santa Dalila. Se dissermos nos pormenores tudo o que fizemos juntos naqueles tempos, muitos custarão a crer. 
Nossos amigos não viviam na penúria, como nós; por isso não precisavam vender bolinhos e pastéis, o que lhes dava mais horas ociosas. No entanto, era por nosso tempo que eles aguardavam, pois a nossa criatividade para fazer coisas erradas era tamanha. Quando eu, o Beto e o Jô, os mais velhos de nossa casa, chegávamos das virações, lá estavam eles, Clebinho e Robinho, à disposição para pormos tocos na “linha do trem”; fazermos armadilhas para furar os pneus dos poucos carros que entravam no lugar; brigarmos com os outros moleques; fazermos bagunças inimagináveis na piscina pública do outro lado do bairro, entre outras estripulias.
Em pouco tempo de amizade, os meninos nos apresentaram sua irmã, Roselita, que também não era Roselita, e era um pouco mais velha do que nós. Foi o bastante para deixarmos de nos concentrar em tudo o mais, passando a prestar atenção apenas nela: Era uma garota morena, muito bonita, e tinha um belo par de coxas que sobravam num short muito curto e apertado. Roselita passou a participar de nossas bagunças, de forma passiva, mais por ingenuidade que por malícia. Tão apenas nos acompanhava e ria. Ria muito, quando aprontávamos nossos desatinos.
Naquele tempo, havia uma brincadeira muito popular, chamada Mandraque. Fazíamos um trato, pelo qual toda vez que nos aproximávamos, devíamos dizer, bem depressa: “Licença!”, sob pena de alguém gritar: “Mandraque aí, licença!”, para que a pessoa surpreendida ficasse parada na mesma posição, por longos minutos. Certo dia o Jô, o Beto e eu, reunidos na ausência de Clebinho, Robinho e Roselita, resolvemos inventar uma brincadeira baseada na grande ambição de passar a mão nas coxas de Roselita. Depois de tudo amarrado, procuramos pelos amigos e os persuadimos a fazer “o trato”, pois era também uma brincadeira muito popular.
Em princípio, a rejeição deles foi contundente; principalmente a da Roselita, que argumentou não ter nenhuma vontade de passar a mão em nossas coxas; portanto, sairia no prejuízo. Os meninos também argumentaram sobre o prejuízo deles e de Roselita, porque nossas irmãs não nos acompanhavam e não tínhamos nenhuma outra companhia feminina. Mas fomos mais convincentes: Dissemos que se tratava de uma brincadeira sem maldade, que eles não estavam confiando em nós, e também que não íamos enfiar a mão na Roselita; só passar bem de leve, nas suas coxas, caso ela se descuidasse a ponto de não dizer “licença!”, antes de gritarmos “coxinha ai, licença!” e fazermos o que tínhamos direito. “Ela era ou não era uma garota esperta?”.
Com a esperteza desafiada, Roselita resolveu topar a brincadeira e apaziguar seus irmãos, convencendo-os de que não daria moleza. Ela só não contava com a nossa estratégia de doravante sempre chegarmos depois deles aos locais de partida para as aventuras, e de formas inusitadas. Também passamos a forçar encontros em lugares que tivessem mato alto, para nos escondermos, e quando eles chegassem, já pulássemos dos esconderijos gritando em alto e bom som: “Coxinha aí, licença!”. Era um tormento para Roselita, que tinha de “honrar” o trato, permitindo que ao mesmo tempo três moleques passassem as mãos em suas coxas.
Engana-se, quem pensa que Roselita era vulgar. Não era. Só era mesmo ingênua, e naquele caso, sentia-se protegida pelos irmãos, embora eles fossem mais novos do que ela. No mais, tinha uma conversa bem agradável, de nível bastante superior às nossas bobeiras, e nunca nos permitiu qualquer ousadia maior do que passarmos as mãos em suas coxas, o que só fazia para “manter o trato e a palavra”.
Saímos de Santa Dalila. Mais de trinta anos depois, voltei a morar no mesmo local, mas nunca mais os vi. Recentemente, soube que o Clebinho morreu de tuberculose há muitos anos; o Robinho se casou e ninguém sabe onde foi morar. Também se casou a Roselita, com um homem que a “boa língua” classificou de um ótimo partido. 
Como o dizia no início deste relato, Clebinho e Robinho, que não eram Clebinho e Robinho, foram dois grandes amigos em nossa adolescência. Daqueles amigos com quem brincamos, brigamos, fazemos arruaças e dividimos o que temos. E neste caso, eles foram muito mais amigos do que nós... Foram solidários o suficiente para dividir conosco as coxas de Roselita.

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