quinta-feira, 29 de novembro de 2012

PALAVRÃO AMOR


Houve um tempo de nossa infância, quase adolescência, em que falávamos muitos palavrões. Por toda a adolescência, tivemos o hábito de xingar, mas na pré, xingávamos como se respira. Como sempre, a nossa mãe nos pedindo para medirmos as palavras, termos educação pelo menos na presença dos adultos, e às vezes brigando firme conosco. Mas demoramos a atendê-la. Demoramos muito. As ruas, aonde fazíamos nossas virações e das quais não saíamos tão cedo ao encerrarmos expediente, sabiam nos manter desbocados.
Como se não bastasse, de repente o Jô e eu cismamos de levar às nossas primas Lucimar e Luciana, filhas mais velhas da tia Elídia e do tio José Carlos, porém mais novas do que nós, um pouco dos nossos conhecimentos de palavreado chulo; para não dizer escabroso. Dávamos aulas insistentes, às escondidas, e as meninas até que não foram más alunas. Não eram nota dez, mas também não tiravam notas vermelhas. Em pouco tempo, aquelas crianças que mal sabiam articular palavra já conseguiam dizer um básico “fi da puta”; um “puta que paiu” meio atravessado, entre outras modalidades do palavrório proposto.
Mas aquilo não durou muito. Bem atentos, o tio José Carlos e a tia Elídia logo perceberam que as meninas estavam meio desbocadas e desconfiaram da origem do conhecimento repentino daquele repertório. Exigiram de nós, de forma bem convincente, que nunca mais voltássemos a fazer aquilo, além de levarem o assunto ao conhecimento de nossa mãe, que daquela vez prometeu, também de forma bem convincente nos dar uma surra, caso notasse que aquela história teria continuidade. Para nossa surpresa, os nossos tios não proibiram que continuássemos brincando com as primas, as mais velhas nem as mais novas, que depois cresceram, tanto quanto o Carlinhos; todos bem educados, bem resolvidos, e muito queridos por todos nós. Creio que a manutenção da confiança de nossos tios foi mais importante que as broncas e as promessas de providências mais duras. 
Termos hoje o amor de nossa tia Elídia; nossos primos Lucimar, Lucineia, Rosemeire, Carlinhos, além de termos desfrutado da presença do tio José Carlos, que faleceu há muitos anos, e da Luciana, nossa doce prima Luciana, que faleceu faz pouco tempo, é uma grande alegria para nós. São e foram pessoas de caráter singular, que nos ensinaram muito, e ainda ensinam, sobre afeto; sensibilidade; solidariedade; perdão. Sentimentos fundamentais que palavras, palavrinhas e palavrões (ao pé-da-letra) por si só não definem.
E a nossa mãe, nossa Maria, que já não está entre nós, pelo menos fisicamente, agora pode mesmo repousar em paz. Seus filhos nunca esquecerão suas lições, as palavras, o amor exagerado, sua entrega e a vida inteira dedicada exclusivamente à felicidade plena daqueles moleques que para muitos eram casos perdidos. E ao deixamos de ser moleques, ela continuou preocupada com seus marmanjos, porque nunca deixou de vê-los como crianças que ainda precisavam dela...
... E precisávamos mesmo. Já estávamos criados, maduros, com filhos, quase com netos, resolvidos como pessoas e profissionais, perfeitamente socializados, mas não sabíamos viver sem seu amor... Sua preocupação... Seu mimo de mãe que só sabia ser mãe, porque nasceu para isso. Para ser imperfeita como ser humano, porém perfeita como nossa mãe, porque nesse aspecto, ela foi mais do que um ser humano... 
... Se não sabíamos, tivemos que aprender a ficar sem ela. Ainda bem que hoje temos, eu e meus irmãos, um ao outro, além dos nossos primos e a tia Elídia, cujo rosto e cujos modos nos emprestam algo de nossa mãe... E também nos ama... Conhece o sentido exato da palavra ou do imprescindível palavrão amor. 

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