terça-feira, 28 de agosto de 2012

A FÚRIA DO LIMONADA


Por uma dessas razões que ninguém nunca sabe, Juvêncio - moço bastante sério, que vivia sozinho numa casa discreta - foi apelidado. A exemplo das lendas, que nascem não se sabe onde, quando nem por obra de quem, da noite para o dia todos começaram a chamá-lo de limonada. Ele certamente não, foram muitos os constrangimentos, mas não houve jeito. Virou mesmo limonada, e de nada valia ficar azedo com todo o mundo por causa disso.
O problema, mesmo, foi o excesso. A turma do barulho não se conformou em chamá-lo normalmente pelo apelido, como que pelo nome, nas horas necessárias; nas conversar. Vivia gritando alto, com algazarra e deboche, para deixar o rapaz louco:
- Dá-lhe, limonada! Vamos tomar limonada!
Juvêncio acabou não suportando mais. Resolveu mudar. Foi morar numa cidade bem distante, onde ninguém sequer imaginasse que ele tinha um apelido.
Por um tempo até razoável, Juvêncio viveu em paz naquela cidade. No entanto, parecia que o apelido era seu destino. Seu carma. quiça sua expiação. Um belo dia, digo; um dia nada belo, ele mal abre a porta de casa e ouve o que pensara nunca mais ouvir:
- Diz aí, limonada!
Era demais para o moço. Ficou inconsolável, pensou em discutir, entendeu que seria inútil. Voltou para dentro. Sabia por experiência, que aquele dia seria um inferno; o primeiro dia de um apelido ou de sua descoberta é insuportável. Ao mesmo tempo, entendia que não era possível fugir para sempre. Não podia ficar ali escondido, e a qualquer hora em que saísse, as ruas estariam lá, cheias de moleques a chamá-lo de limonada.
Depois de muito matutar, o infeliz teve uma ideia mais infeliz do que ele próprio: Foi até a cozinha, pegou uma faca enorme, de ponta bem afiada. Pôs a faca na cintura, de forma bem ostensiva e abriu a camisa. Feito isto saiu prá rua, na certeza de que ninguém ousaria mexer com ele.
- Agora vamos ver quem me sacaneia...
Depois de no máximo seis minutos caminhando ante olhares pasmos, e com a sorte de não passar por nenhum policial, Juvêncio escuta: 
- Olha o limão!
Puxa a faca, esbaforido, mas antes de ameaçar pensa bem. Afinal, era só o limão; não a limonada.
Menos de três minutos depois, quando atravessava uma rua, um novo grito ecoa:
- Olha o açúcar! 
O infeliz repete o gesto, pensa de novo em ameaçar, e mais uma vez desiste.
Mal devolve a faca à cintura, um novo engraçadinho grita não se sabe de onde:
- Agora é a água!
Foi o cúmulo. Enfurecido e atrapalhado, Juvêncio arranca violentamente faca, exibe-a bem alto e berra com todas as forças de que dispõe:
- Se alguém misturar, eu juro que sangro o desgraçado!

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