quinta-feira, 16 de agosto de 2012

ALELUIA DE TIBÚRCIO

Naquela pequena igreja de roça, os louvores eram bem exacerbados. Havia pouca gente - uns vinte ou poucos mais integrantes -, mas a louvação era tanta, que do lado de fora se podia crer numa multidão. Entre as muitas expressões de fervor, os gritos de aleluia se destacavam... Eram sempre os mais frequentes. Mas o velho Tibúrcio, que na época somava setenta e oito anos de vida, merece um destaque a mais nestas lembranças. Ele parecia ter pulmões de uma criança hiperativa de 11 anos de idade. Com tal disposição, gritava tão alto e com tamanha fé, que a distorção do seu grito de aleluia gerava outro vocábulo:
- Ralolôia!!!
Era um brado que além de sobressalente, surgia não poucas vezes nos momentos mais inadequados, como aqueles em que o plenário prestava um minuto de silêncio por alguém que recentemente falecera. O pastor anunciava o “passamento” – palavra predileta para causar impacto e dramaticidade –; os fieis fechavam os olhos, baixavam suas cabeças, contritos, e lá vinha o trovão tiburciano:
- Ralolôia!!!
Crianças endiabradas e zombeteiras, eu e meus irmãos, que junto com o Rubinho, o Edinho e a Rubenita – três colegas também irmãos entre si – seguíamos minha avó para os cultos, não demoramos a apelidar o velho Tibúrcio de Irmão Ralolôia. Como se não bastasse, começamos a imitá-lo, aproveitando as horas de maior fervor para gritar o nosso ralolôia em alto e bom som. Gritávamos à exaustão, entre risos incontidos, mas aquelas pessoas de boa fé, além da fé, propriamente, não percebiam. 
Em pouco tempo, passamos brincar de fazer culto, no quintal de nossa casa. Meu irmão mais velho, que não perdia tempo, era sempre o pastor. Nós outros, incluindo os colegas inseparáveis, éramos os fiéis, e berrávamos sem parar enquanto ele simulava pregações, usando a velha bíblia de minha avó. E é claro, entre os berreiros que fazíamos, caprichávamos no ralolôia, o que muitas vezes dava briga, porque todos nós acabávamos querendo ser o Irmão Ralolôia.
Essas brincadeiras invariavelmente maliciosas e com exagero, sobretudo no apelido ao velho Tibúrcio, que logo veio a saber, causaram muito aborrecimento a minha avó. Ela nos pedia com insistência, para deixar de zombarias com o homem, mas de nada valiam seus apelos. Aí zombávamos mais e mais, correndo pelo quintal e gritando ralolôia. Desafiando a quem quisesse nos dar um corretivo.
Passou o tempo, aquilo tudo cansou, vieram coisas piores, mas deixamos o velho Tibúrcio em paz. Passados poucos meses, nem lembrávamos mais do Irmão Ralolôia. Na verdade, até paramos de frequentar o pequeno templo sem luz elétrica, mas pleno da energia, da fé e do fervor daquelas admiráveis pessoas simples e sinceras que mesmo analfabetas ou quase, sabiam comunicar suas emoções mais fundas. Formavam entre si uma comunidade perfeitamente sábia.
Quase dois anos depois, minha avó também nem lembrava da zombaria, hoje batizada nas escolas, como bullyng. Um dia entrou em casa chorosa e contrita, e procurou um canto discreto da casa para curtir a dor. Como nada escapava aos nossos olhos, fomos respeitosamente procurar saber a razão de sua tristeza. Amávamos nossa avó. Éramos insuportáveis, porém nutríamos grande amor por ela.
- Ah, meus netos... Uma pessoa muito querida em nossa igreja fez a passagem... – Disse com um fio de voz.
- O que a senhora quer dizer, vó? Morreu alguém da igreja?
- Foi sim, queridos... Morreu uma pessoa.
- Quem foi que morreu, vó? Nós conhecemos?
Como se aquilo nunca tivesse dado qualquer aborrecimento no passado, ela fez um afago em nossos rostos, antes de responder. Parecia nos consolar pela morte, passagem ou passamento de uma pessoa muito querida não só por ela, mas também pelas pestes que naquele momento a enterneciam.
- Conhecem sim, queridos... Foi o Irmão Ralolôia.

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