sábado, 18 de fevereiro de 2012

NATAL EM TEMPO DE CRISE


Pode ser que o natal da crise tenha todos os ingredientes do espírito próprio dessas datas que a cristocracia instituiu. As crises unem em torno do pouco aqueles que passam a formular na mente as mais inusitadas formas de partilhar. Não exatamente pensando em dar, mas em não ficar de fora. O ser humano é muito egoísta para pensar em qualquer partilha como quem a faz. Sempre pensa como quem a recebe. É claro que aqui se excluem as excessões. 
Seja como for, esse medo da solidão; do abanono nesse deserto do não ter acaba promovendo a aproximação dos iguais; a partir daí, o pensamento em comum promove ações em prol do todo. É um cada um por si coletivo, que alcança o próximo e estabelece trocas, tornando a vida intensa; interessante; humanizada. Desse egoísmo inicial nasce a solidariedade. Surge a idéia de conjunto e corrente. Os indivíduos se falam, se ouvem, se tocam, fazem planos e permutas e descobrem que o outro existe. Nos piores momentos de um país ou do próprio mundo nascem as mais fantásticas manifestações de consciência humana e social. Nascem também as manifestações de criatividade e grandeza. Os heróis nunca são frutos de realidades amenas. Eles surgem onde medram vilões.
Um exemplo deste discurso está na produção artística, literária e cidadã nos tempos de ditadura no Brasil. Se foram anos de angústia extrema, insegurança, medo, privação e vigilância, foram anos de intensa criatividade, quando artistas e literatos precisavam ser táticos, inteligentes e sutís para burlar a censura. Anos em que os jovens estudantes travaram as mais belas e românticas lutas contra o regime. Não lutavam por dinheiro, riqueza, fama nem status. Gritavam por liberdade, por direito de expressão, cidadania, e pela causa apostavam tudo; dedicavam suas vidas algumas vezes sacrificadas pela truculência militar. Hoje, quando vivemos em um regime democrático, ninguém mais precisa ser engenhoso nem quixotesco. A democracia torna o herói ridículo. Cala os arroubos e estabelece uma praticidade que não deixa rebrotar o romantismo daqueles que acreditam salvar o mundo.
Neste fim de ano, o mundo vive um momento crítico. Temos tudo para ressuscitar o velho espírito de solidariedade que, na minha opinião, não tem que ser próprio do natal. Tem que ser próprio do ser humano em qualquer época. É muito mais fértil nas crises. Nas hecatombes sociais. Faz-se necessário germinar em cada um de nós um herói disposto a cuidar do próximo, deixando que o próximo faça o mesmo por nós. Para tanto, é necessário descobrirmos o amor dentro de nós. Não exatamente o amor nos padrões da igreja. Descarta-se a obrigação de acreditar em Deus, Cristo, Jeová (...), tornando possível brotar a crença em nós, no mundo e no futuro.

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