segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O AMOR QUE DEVASTA


As gaiolas estão em cada canto, na varanda extensa da casa mais luxuosa daquela rua. O moço tem canários, melros, sabiás, arapongas, uirapurus... uma infinidade. Parece até que haverá um novo dilúvio, e desta vez ele foi o escolhido para construir uma arca diferente, na qual acomodará todas as espécies de pássaros. Enquanto a cheia não chega, vai guardando os coitados em suas celas distantes das matas onde eram felizes e, consequentemente, seus trinados.
Muita gente admira o zelo extremo com que aquele rapaz trata os pássaros: as gaiolas bem adornadas, água sempre limpa e fresca, as melhores sementes e rações. Obviamente, nada que possa devolver a dignidade perdida - bichos têm sim, dignidade -; o prazer de cantar de fato; a emoção de planar na imensidão do espaço, mas tudo muito esmerado, conforme a pompa que o ser humano preza e julga ser o caso dos animais... esses que são classificados como irracionais exatamente por nossa irracionalidade.
Nas conversas com os amigos e "fãs", o moço é vezeiro em afirmar, com um clichê mais velho do que agora uso, a razão de tamanha diversidade em sua casa: "Eu adoro pássaros.". Adora e os prende... Tenho temor de me perguntar o que faria, se os detestasse.  

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