quinta-feira, 12 de julho de 2012

BABANDO PELA MULHER ALHEIA

Amâncio está incomodado com Marcondes, o cunhadão bonzinho de sua esposa Matildes. Marcondes mora no mesmo condomínio que Amâncio, e tem se mostrado muito atencioso com Matildes, uma senhora direita, mas muito ingênua. É claro que o excesso de atenção do cunhado se revela na ausência, suposta ou certa, de Amâncio e da esposa do próprio Marcondes, que ao contrário do esposo, trabalha. Matildes também trabalha, mas tem lá suas horinhas fixas de repouso em dias úteis, o que já foi memorizado por Marcondes, que só não conseguiu memorizar ainda os dias e horários de folga do Amâncio. Graças a esse pormenor, o cunhadão de Matildes acabou se deixando flagrar pelo concunhado, quando fazia, disfarçadamente, mesuras e agrados à sua esposa.
As coisas acontecem mais ou menos assim: Quando Matildes acorda, Marcondes está sempre por perto, para dar seu bom dia meloso, com um falsete que não foge a nenhuma percepção mais aguçada. É com essa voz que ele pergunta se a cunhada dormiu direitinho, se está descansadinha, se quer que ele compre um pãozinho para ela, entre outros diminutivos. Quando percebe a presença ou pelo menos o sinal da presença de Amâncio, Marcondes dá uma disfarçada, muda o tom de voz, assume uma expressão de seriedade postiça e se afasta. Sabe que o concunhado não é bobo e percebe sua intenção. Ao surgir um novo ensejo, lá está ele: Se a cunhada veste uma roupa nova, elogia. Se ela parece triste, ele quer saber por quê. Quando sua esposa Marieta, irmã de Matildes, está em casa e quer dizer algo à irmã, ele adivinha. Lentamente resvala e vai até lá, para dizer a Matildes que a irmã parece ter algo a lhe dizer, e com certeza deve ser urgente.
Ao contrário de Marcondes, Amâncio é um homem discreto e respeitador. Não é um banana, como normalmente se fala de homens pacíficos e longânimos. Ele apenas pondera muito, porque não pode provar materialmente uma certeza somente sua. Ademais, conhece a mulher que tem. Sabe que ela não dá trelas ao cunhado e praticamente não responde às suas abordagens, o que não adianta, pois o sujeito insiste nas conversas fiadas e nunca é claro o bastante para ser acusado. Lança incansavelmente suas iscas, na esperança de que o peixe (ou a sereia) uma dia se deixe pescar. Mesmo assim, o pacífico e bom Amâncio acha tudo aquilo constrangedor. Constrangedor e desrespeitoso para ele, que tem sempre atitudes moderadas, de pouca fala e certa cerimônia, ou formalidade, ao tratar com Marieta, de quem também é cunhado, por quem tem amizade antiga, mas não se permite liberdades como sussurros, brincadeirinhas indiscretas e tom de voz em falsete.
Como nunca é diferente com homens que babam pela mulher do outro, Marcondes não permite a sua mulher, amizades com marmanjos. Ele não confidencia isso com ninguém, mas todos percebem a diferença de seu comportamento, quando está com Marieta em grupos que incluem homens: Monta uma barreira velada, a todo momento olha de soslaio para a esposa e já agrediu um sujeito na rua, por passar muito próximo dela, quase esbarrando. É previsível a confusão que se estabeleceria no condomínio se Amâncio, homem charmoso, educado e culto (como não é o concunhado) resolvesse fazer umas abordagens a Marieta. Não exatamente nos mesmos moldes de Marcondes, pois a sua estirpe não permitiria isso, é claro, mas qualquer coisa seria suficiente para que o concunhado perdesse a estribeira, partisse para a cobrança de satisfações, depois a porrada, e posteriormente a mudança de atitude ou postura.
Taí: Na minha opinião, valeria a pena para o Amâncio, a Matildes e até mesmo a Marieta, que nessa história toda é a mais inocente. Nunca viu nada, confia cegamente no esposo e ainda o mantém à toa, com todo o tempo do mundo para babar pela Matildes e certamente por outras mulheres do condomínio... Pelo menos até o dia em que um emprego sair de alguma empresa e for bater à porta de Marcondes, implorando que ele o aceite.

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