terça-feira, 31 de julho de 2012

DE FILHOS E CÃES


Eram entre dezoito e dezenove horas, quando escutei a porta de minha casa ser arranhada. Fui ver o que havia, pois ainda não era noite, por ser verão. Era o Tupã. Tão logo abri a porta, ele fez cara de coitado e abanou timidamente a cauda. Falando assim, parece tratar-se de um cachorrinho, mas o tamanho do "bichinho" assusta. É um marmanjo de pelo menos um metro e meio de altura, embora não passe de um adolescente. Tem um lindo pêlo azulado, de tão preto, com uma camada branca no peito.
Minha primeira atitude foi voltar à cozinha e pegar uns biscoitos. Tinha certeza de que a razão da visita era fome. Pus os biscoitos numa tigela e servi. Tupã não quis. Ainda crendo na tese da fome, reconheci que os biscoitos eram duros e sem sabor. Como dificilmente um cão ainda novo resiste ao cheiro de leite, misturei um pouco do leite que sobrara do café da manhã. Nada. Fiquei ali parado, ele olhando para mim e vice-versa, como que tentando adivinhar os pensamentos do outro. Foram pelo menos cinco minutos desse jogo de olhares. Parecíamos brincar de de resistência.
Tentei ainda fazê-lo aceitar um pedaço de bife, mas a rejeição se repetiu e desisti. Sentei-me no beiral da porta, e ele se aproximou ainda mais, enfiando a cabeça entre minhas mãos. Cocei sua nuca e fui bem aceito. Parei, ele persistiu. Queria mais carinho. Fiz o que seu silêncio pedia, já entendendo a carência. Abracei-o levemente, conversei baixinho, ele lambeu minhas mãos e nos tornamos amigos. Logo depois seu dono assobiou, ele obedeceu e foi embora, não sem olhar para trás de vez em quando, como quem prometesse que voltaria; o que passou a fazer quando chego do trabalho.
Se já é tocante a carência afetiva de um cão, imagine a de uma criança. Todos os pais deveriam pensar nisto e ser muito atentos para uma realidade que a cada dia se mostra mais cruel: Pode ser que os vizinhos procurados por nossos filhos carentes de afeto e atenção não queiram lhes dar apenas isso. Talvez eles também sejam carentes, não de afeto; mas de caráter; escrúpulo; consciência; humanidade... Certos disto, saibamos todos que os nossos filhos não são cães.

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