domingo, 1 de julho de 2012

EM BUSCA DO PLANETA SIM


Quando o a senhora humilde me perguntou se tinha horas, minha resposta foi imediata. Não. Mas tinha. Não havia relógio em meu pulso, porém havia um aparelho de telefone celular na minha mochila. Mais à frente parei, chamei-a e disse: Desculpe senhora; são duas e vinte. Ela sorriu com simpatia, expressou gratidão e se foi. 
Meu alívio de consciência não foi suficiente para impedir que logo depois repetisse um não, desnecessariamente. O carroceiro parou o cavalo, a carroça, e perguntou se trocava sua cédula de vinte reais. Disse-lhe de chofre, que não tinha trocado. Mais uma vez, tinha sim. Recordei que trocara uma cédula de quinhentos reais pouco antes, em um supermercado: Perdão, amigo; acho que tenho sim. É. Tenho. Tome aqui; veja se está certo. Desta vez o alívio foi bem mais dele do que meu. Ele precisava mesmo trocar aquele dinheiro, para dar troco a um freguês que lhe pagava pequena quantia por serviço anterior. De consciência calma, segui meu caminho. Não sei se naquele dia cheguei a negar mais alguma coisa em que poderia ceder, mas a verdade é que ainda não consegui deixar de fazê-lo, de lá para cá. 
Temos o vício do não. Isso está no ser humano. É claro que o tal monossílabo existe para ser dito nas impossibilidades, nos casos em que seremos prejudicados, talvez “passados para trás”. Principalmente, quando nosso eventual sim pode ser pernicioso para um filho. De fato pernicioso para ele; não para o orgulho de pai ou mãe que jamais cede, pois precisa mostrar quem manda.
Quando nosso não escapa de ser por brio ou desconfiança, vem por preconceito. Ocorre, por exemplo, quando aquela senhora humilde nos aborda para pedir uma informação. O inconsciente já teme que seja um pedinte. Muitas vezes, quando um indivíduo considerado suspeito pela nossa avaliação equivocada e brusca das aparências pergunta que horas são. Mais uma vez, o inconsciente nos faz temer um assalto numa hora e num cenário em que tal temor é totalmente ridículo, dadas as impossibilidades para isso.
Temos um não, sempre guardado, para o vendedor de livros, mesmo quando ele surge exatamente com o livro do qual precisamos naquele momento. Esse não é sonoro e definitivo, se um filho quer usar em casa aquela roupa “de sair”, ou quando quer sair com aquela roupa “de usar em casa”, mesmo que seja uma boa roupa. Nosso padrão de estética tem que ser sempre superior ao seu. O agravante, nessa história específica do filho, é que acabamos por dizer sim justamente nas horas mais inadequadas: Dando-lhe presentes perigosos, deixando-o solto no mundo sem sequer sabermos ao certo aonde vai. Muitas vezes deixando-o, ainda pequeno, aos cuidados de pessoas que não são as mais indicadas.
Juro que tenho exercitado a prática do sim. Mas confesso que não é fácil. É tarefa quase impossível adquirir essa prática. Dizer as horas para a senhora humilde e trocar a cédula do carroceiro foram boas vitórias nessa guerra. Sei, no entanto, que foram batalhas ínfimas perante o que ainda enfrentarei para me tornar uma pessoa mais maleável. Para saber quando estou errado; quando preciso dizer sim às razões alheias, às solicitações justas externas, e não a mim próprio. 
Ao mesmo tempo em que os cientistas procuram novos planetas pelo cosmo, e se animam com as possibilidades de vida fora da terra, estou procurando aqui mesmo, nas minhas entranhas, o distante planeta sim. Quisera o encontrássemos, todos nós, para que abríssemos nossos corações a um novo tempo e nos desarmássemos na lida com o próximo.

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