domingo, 1 de julho de 2012

UM NEM TE CONTO DE NATAL


Lembro que um dia quis comer uma rabanada. Mas não era natal. Nem trinta e um de dezembro. Estávamos ainda no mês de agosto, e segundo a "lei", nada justifica uma impropriedade como esta. Porém o desejo era grande, como sempre é, de comer a guloseima que tenho como o doce motivo do natal, me perdoem os cristãos.
Fui à porta, olhei bem para fora, conferi se a possível misteriosa fiscalização estava em alerta e voltei. Silenciosamente, comecei a cortar em rodelas uns pãezinhos franceses. Preparei os ovos, a farinha de rosca, a canela e o açucar, e parti para o crime, ou apenas o delito. Fritei muitas rabanadas. Uma quantidade que nem sei ainda se poderia comer sozinho. Se tinha de cometer algo hediondo, que a coisa fosse completa; valesse a pena. Era idêntico a me masturbar na adolescência: Compulsivamente. Sem qualquer ideia de limite. O remorso, deixava para depois, embora soubesse que depois do depois tudo seria como antes. 
Mas estamos falando é das rabanadas e da única vez em que as comi descaradamente fora da época. Pior do que isso, contaminei outras pessoas com o meu pecado; ao melhor estilo serpente do paraíso, levei cristãos genuínos a comerem do fruto... perdoem; da guloseima proibida .
Justo na hora em que me preparava para desfrutar do plano, chamam ao portão. Fiquei sobressaltado. Quis fugir, acreditando que alguém me denunciara e a falange antirrabanada em meio de ano já estava lá, pronta para me punir com o fogo santo, quiçá das lenhas do meu quintal. Pus as pistas do crime no forno, respirei bem fundo e fui... resignado e pronto para enfrentar a turma, com negativas veementes, impedindo ao mesmo tempo que ela entrasse na minha casa para conferir. 
Surpresa boa. Ou ruim para a "surpresa". Era um grupo considerável de parentes e alguns amigos mais íntimos (dos parentes) que quase nunca me visitam. Mas resolveram faze-lo justo no dia da perdição. Atabalhoado, pedi que entrassem. Não fizeram cerimônia. Já dentro de casa, um espertinho anunciou que sentia cheiro de coisa doce e gostosa. Não tive como negar, confessei, ouvi ainda um comentário de que não era natal nem último dia de ano, mas a única criança do grupo foi direto ao forno, comeu a primeira tentação e foi seguida pelos demais, que não hesitaram em resgatar o vasilhame. Puseram-no sobre a mesa, e se eu não reagisse, acabaria sem comer uma só rabanada.
Cheio de cúmplices, perdi o medo e fiz café, suco, abri uma velha garrafa de vinho que também esperava ocasião propícia, transformando aquele momento em uma verdadeira confraternização sem sobrenome. Não era natal, fim de ano, páscoa, dia das mães, nem mesmo dia dos pais ou o do soldado, embora fosse agosto. Acho que era o nosso dia. Dia livre da família, dos amigos, de gente que resolve estreitar os laços, sem qualquer ordem da indústria, do comércio, da igreja, da política e de qualquer outra instituição que rege as datas obrigatórias, ou "de lei", que somos obrigados a obedecer se não quisermos ser tratados como seres menos humanos ou extraterrestres... renegados por um sistema global que automatiza as pessoas para que só sejam de fato pessoas em datas consideradas especiais. 
Agora sim, é natal, e como não compartilho das luzes deste dia, quero pelo menos desejar a todos um feliz dia qualquer, com a ressalva do respeito à crença que há mais de dois milênios une famílias e amizades de forma especial... E olhem: Guardem umas rabanadas para mim.

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