segunda-feira, 16 de julho de 2012

BOM AGOURO DE MÃE


Eduíges era o motivo central das preocupações constantes de sua mãe, dona Juremá. Residia em um bairro periférico de Guapimirim, era casada com um homem preguiçoso, desonesto e viciado, e tinha sete filhos para sustentar. Trabalhava como diarista em casas de madames, enquanto a figura imprestável do marido circulava cambaleante pelos bares do lugar, graças às doses de cachaça que bebia fiado e jamais pagava ou eram pagas por pinguços que tinham lá seus ganhos. Bares e pinguços que nunca se ofereceram para vender fiado nem doar um saquinho de leite a Eduíges.
Dona Juremá, que morava longe da filha e recebia mensalmente uma pensão modesta, ia também mensalmente à casa da Eduíges para levar ajuda em forma de mantimentos: Arroz, macarrrão, feijão, açúcar, sal, biscoitos, margarina e óleo. Com o auxílio somado ao que recebia em suas diárias, Eduíges conseguia não deixar que as crianças passassem fome. Elas não tinham roupas boas, brinquedos novos nem materiais escolares a contento. Tinham, porém, o que comer sob o teto de zinco da velha casa de estuque num terreno invadido pela mãe trabalhadora e corajosa.
Sabe-se que dona Juremá, já bem velhinha e cansada, um dia fez uma compra especial para Eduíges e os filhos. Pagou a um ajudante para transportar, e quando chegou à casa da filha percebeu que acabara o gás. Na mesma hora pediu que o ajudante fosse comprar, utilizando o mesmo carrinho-de-mão que pouco antes estava cheio de mantimentos. Dessa vez, além dos itens de sempre havia frutas, legumes, enlatados, linguiça, carne seca e polpas para sucos. Tão acanhada quanto feliz, com os olhos marejados Eduíges agradeceu pelos mantimentos e o gás. Ao mesmo tempo, lamentou por ter de aceitar o auxílio e dar tanta preocupação à mãe. Sorridente, a velhinha respondeu que a filha, tanto quanto ela, nunca mais teria que se preocupar com aquilo.
Exatamente um mês depois, dona Juremá dormiu e não despertou no dia seguinte. Muito abatidos, Eduíges e prole não perceberam, por algum tempo, mas a despensa continuava a mesma: Eles consumiam os mantimentos, usavam normalmente o gás e tudo continuava lá, na mesma quantidade. Segundo a tradição oral, as crianças foram criadas pela mãe, que não tardou a ficar viúva, com muito mais conforto. Como garantiu dona Juremá, Eduíges não precisou mais se preocupar com gás e comida (pois nunca mais acabaram), tendo que trabalhar apenas para vestir os meninos e mantê-los na escola.
Faz tempo que Eduíges morreu, deixando sete homens cultos, bondosos e bem sucedidos, que formaram famílias e criaram filhos como eles, na cidade ainda bucólica de Guapimirim. Quem hoje mora lá, certamente vive sob a influência benéfica da família... Muitos até convivem com seus descendentes, o que pode lhes trazer a graça do rendimento inacreditável da despensa e do gás de cozinha.

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