segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

AGONIA NO MERCADO DE LIVROS LIVRES


É vexatoriamente flagrante no Brasil, confesso não saber se mundo afora, a cultura do "corre, que aí vem um vendedor de livros!". Não tenho tantos anos de vida, e já vi tempos mais gratos para quem vende conhecimento e cultura. Fui até vendedor de livros em um tempo no qual batíamos de domicílio em domicílio, sendo bem recebidos por pessoas que respeitavam esse trabalho. Pessoas das quais muitas adquiriam enciclopédias, pagando ä vista ou por meio de carnês que eram quitados em agências bancárias. De tudo era vendido: Desde livros técnicos a enciclopédias de contos, poemas e outras modalidades literárias, passando pelas coleções de artesanato, culinária, conhecimentos gerais e curiosidades.
Os compradores de livros se tornavam praticamente amigos dos vendedores. Muitos se tornaram vezeiros em comprar comigo, e não poucas vezes tomamos cafezinhos juntos, no aconchego de seus lares simples ou sofisticados, pobres ou ricos, pois pessoas de todas as classes compravam livros. Algumas até com muita dificuldade para pagar... Mas pagavam regiamente, porque nesse tempo também havia muita vergonha da inadimplência. Do nome sujo nas instituições especializadas em restrição de crédito.
Diriam muitos, levando os olhos ao céu: "Tempos bons aqueles, em que podíamos comprar livros...". Não. Tempos bons aqueles em que o computador, a internet, a correria do cotidiano e a superficialidade humana não se punham sobre os valores mais profundos, como os do intelecto. Quando estudar ou se aculturar não era somente um imperativo para garantir futuro profissional ou mercadológico. Não quero dizer com isso, que  o acesso ä educação formal não era bem mais restrito. Havia, sim, mais exclusão no tocante ao ingresso nas escolas... No entanto, a vontade de aprender, de adquirir conhecimento era maior, e quem lidava com livros era quase uma celebridade. Tinha o respeito e a consideração das pessoas. 
Também não quero dizer que o computador e a internet são dispositivos perniciosos ä educação. Valorizo qualquer tecnologia, qualquer dispositivo de mídia como coadjuvantes imprescindíveis do educar... Mas como coadjuvantes e com critérios bem definidos neste quesito. O que ocorre é que as tecnologias e a mídia estão sendo usadas apenas de formas a garantir o pódio nas corridas mercadológicas e sem critérios educativos, mesmo nas escolas e outras instituições destinadas ao educar. Afora isto, como brincadeira (orkut, msn, jogos etc) ou atos escusos como pedofilia, pirataria e outros incontáveis crimes próprios da modernidade.
Bem... Se vivi tempos mais gratos para o vendedor de livros, também vivi para ver a queda de prestígio desse profissional, e pasmem: De forma toda especial entre os educadores. Não cabe aqui a narração de toda a saga envolvendo essa queda, mas posso dizer, sem medo, que quase nada é mais rejeitado pelo educador (justo pelo educador!) nos dias de hoje, do que o livro, se este não for especificamente utilizável como ferramenta burocrática e fria de seu trabalho. Por isso mesmo, um trabalho marmóreo, burocrático, específico, sem a riqueza da transversalidade e da sedução inerente apenas aos profissionais apaixonados. Os adoravelmente fanáticos. Aqueles que pagariam para educar, se para tanto não fôssem remunerados, a contento ou não.
Esses educadores existem. E, não apenas voltando ao vendedor, mas também me referindo ao autor, é graças a tais educadores que eles ainda existem. Digo eles, apontando especificamente o autor e o vendedor dos livros desobrigados. Não burocráticos. Produtos literários, culturais e não impostos pelo comércio educacional... Os livros livres.  

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