segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

ANIVERSÁRIO DE MORTE


Ontem fez nove anos que um médico bem conceituado disse que eu teria, no máximo, mais dois anos de vida. Pelo visto, elevei meu tempo ao quadrado e sigo neste clima de véspera do dia final. Uma expectativa que não precisava ter, se uma réplica equivocada e lambona do improvável Deus não tivesse caído sobre mim, para me obrigar um processo de recomposição.
Nestes nove anos fiz coisas das quais não teria feito um terço, não fosse a urgência de cumprir tarefas estabelecidas pelo meu orgulho. Vivi cada dia na certeza de não acordar na manhã seguinte, chegando ao ponto de fazer as pazes com desafetos cujas lembranças bastavam para me causar desconforto. Quis amar muito mais, creio ter me tornado um pai melhor, e até cometi erros que também não teria cometido se não sentisse os dias contados como parcas moedas em fases difíceis.
Fiz tanto em tão pouco tempo, que a vida está enjoada. Já não tem mais graça. Qualquer aventura soa repetitiva, e morrer deixou de ser um assombro. Passou a ser bem vindo. Sem desespero ou desgosto; sem frustração nem melodrama; sem novela ou espetáculo de qualquer natureza humana. Desenvolvi outro olhar sobre o chamado outro plano, e mesmo não o entendendo, sinto saudades desse futuro como se fosse um passado agradável. Como se já tivesse morrido e gostado. Na verdade, os espiritualistas têm certeza que sim. Que já morreram mais vezes. Explicam espantosamente essa espécie de nostalgia.
Seja como for, fiz aniversário ontem. Mais um ano da espera inútil do fim. Nem faço mais a contagem dos anos de nascido, mas desses em que estabeleci meu limbo, como se quisesse me purificar para não sei quê, pois sequer acredito em divindades e castigos ou recompensas depois da morte. Não tenho religião, e a disputa por melhores lugares no além nunca me afetaram. 
Gostaria de saber onde anda o precursor do meu fim. Queria reclamar do anúncio enganoso. Ele me encheu de ilusões, prometendo que em pouco tempo os meus olhos estariam livres do crescente espetáculo da degradação humana e da extinção do mundo. Isso não se faz... Prometeu, tem de cumprir... ainda que seja com um empurrãozinho.

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