terça-feira, 3 de janeiro de 2012

POLÍCIA, MILÍCIA E MALÍCIA


Confesso que faço coro com os que dizem que a polícia tem como expulsar os traficantes dos morros, estabelecendo a ordem social. É necessário apenas que haja uma vontade política pouco observada nesta questão, e que haja mais rigidez das autoridades äs quais compete esse trato com as corporações. Isso envolve treinamento especializado, noções de respeito, ética e cidadania, necessários na lida com as comunidades e, principalmente, um intenso trabalho de acompanhamento psicológico para cada policial. 
Ouso dizer que essa questão até passa pelos proventos dos policiais, mas não está fundamentada nisto em nenhum momento. Não podemos conceber a idéia de que lidamos com policiais que precisam ser bem pagos para não virar bandidos. Aceitando esta máxima, teremos de compreender e aquiescer até, que cidadãos de qualquer faixa social virem bandidos porque estão desempregados, o que é bem pior do que estar empregado e ganhar pouco. Se as condições socioeconômicas fôssem rigidamente fundamentais para o bom caráter, não haveria tanta corrupção política, empresarial, nem nos primeiros escalões da polícia e do judiciário, visto que se trata de posições bem remuneradas e de prestígio na sociedade. Logo, de pessoas que não "precisam" roubar. É claro que no conjunto de tudo o que é necessário para contarmos com bons policiais, entra o quesito remuneração, bem como os quesitos aparato e treinamento, entre tantos outros. Esse conjunto é fundamental, mas apenas pagar bem ou praticar qualquer destes itens isoladamente não tem como funcionar. 
O que não é aceitável, em nenhuma hipótese - e a isto não somo a minha voz - é o uso das práticas das milícias como parâmetro para a competência policial nos morros. Dizer que a polícia pode expulsar os traficantes porque as milícias conseguem é ingenuidade, senão malícia. O fato é que as milícias usam os mesmos métodos que os traficantes, impondo sua truculência. Com essa prática eles castigam, a reboque, toda a comunidade inocente e trabalhadora desses morros.
Devemos ter em mente que a vantagem do bandido sobre a polícia nas perseguições em favelas, está no fato de que o bandido não  tem nada a perder. O policial tem. O bandido não tem compromisso com vidas inocentes. O policial sim. O bandido não tem amor à própria vida, e é justo que o policial tenha. Quem pode atirar a esmo nesses enfrentamentos é o bandido, por esse descompromisso que o caracteriza. Dizer que se deve enfrentar a bandidagem tendo como exemplo o poder e os métodos das milícias é orientar que se pratique nos morros o inesquecível massacre do Carandiru, cometido por policiais que fizeram o que muita gente prega como certo, que é justamente copiar os criminosos. Estabelecer a desordem, a tirania e a truculência, em nome da boa causa que, neste caso, não é nada boa.
Admirar o Fernandinho Beira-Mar, porque ele pulou do terceiro andar de um prédio sem que nenhum policial fizesse o mesmo, em sua captura, é uma distorção de conceitos. Qualquer bicho acuado arrisca a própria vida para tentar a fuga de um predador. Bicho acuado que é, um bandido em fuga não mede as consequências de um ato tresloucado, enquanto os policiais, que são os perseguidores, fazem isso porque suas vidas valem mais do que aquele momento que tem chances de se repetir, como foi o caso. Esse mesmo bandido está hoje preso, sem que aqueles policiais arriscassem suas vidas, apesar do erro que cometeram.
Muitos conceitos viram clichês, numa sociedade cheia de arroubos e vícios, por causa da revolta e do medo que assola os lares, diante da insegurança de nossos dias. Essa comparação entre a eficiência da polícia e dos milicianos é um desses clichês. Não há como comparar, até mesmo porque a eficiência das milícias mora no caráter perverso e criminoso de policiais que pensam justamente assim, com o agravamento de o fazerem  antes de tudo em causa própria. Ao invés de uma ideologia, eles têm ganância e fome de poder.

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